Todos
conhecerão!
(Um
ensaio sobre o amor cristão)
Por Gabriel Felipe M. Rocha
"Nisto todos conhecerão que sois meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros." (João 13:35)
Quando Jesus afirmou essas palavras, Ele já havia falado aos
seus discípulos sobre sua morte e os aprontava para a prática da missão a qual
foram chamados. O contexto que se segue, portanto, é um contexto de muitas
admoestações (Jo 14: 23; 15:1-11); reafirmação de alguns ensinamentos (Jo 12:
44-50; 13: 1-35; 15: 12-26) e consolo (Jo 14: 1-21), preparando sua igreja,
então, para os acontecimentos posteriores e exortando-os a perseverar na
verdade de suas palavras. Isso, a fim de incentivar a sua Igreja ao cumprimento
da missão do Evangelho (Jo 16: 20 -33; 17: 22,23). Havia uma missão!
"Todos", empregado pelo evangelista se tratava (e se trata) se todos
aqueles a quem o Pai escolheu e entregaria a Cristo. Trata-se, portanto, das
ovelhas de Jesus. No entanto, a eficácia de nossa missão consiste no resgate de
muitos e essa missão se passa pelo teste do amor.
Pois
bem, diante das palavras registradas no versículo 35 do capítulo 13 (“nisto todos conhecerão que sois meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros”), Jesus deixa um importante
ensinamento no que tange a missão da Igreja. Todos conheceriam os discípulos e
reconheceriam a efetividade da mensagem anunciada (como genuínos representantes
de Cristo neste mundo) através da atitude de cada crente, a saber: através da
atitude de amor ao próximo. Por quê? Porque essa atitude é a marca, a identidade,
o cerne e o clímax do ministério de Jesus Cristo. Se a salvação foi uma dádiva
que veio generosamente de Deus, Jesus veio como a própria personificação do
amor. O Verbo se fez carne. Deus é amor, Cristo é o próprio amor operante do
Pai. Em vista disso, a atitude do cristão pode revelar o Cristo se esse cristão
viver como Cristo, amando seu próximo! O mundo só enxerga a Cristo se o
discípulo é como Cristo. O pecador perdido não lê a Bíblia e se lê, não
entende. Porém, o cristão verdadeiro é como a carta que o mundo lê (II Coríntios 3:2-3), isso, se suas
atitudes são como as atitudes de Cristo. Mas que atitudes são essas? O nosso
testemunho de transformação pessoal, a boa presença, a ajuda mútua, a assistência
ao necessitado, o cuidado com o doente, a visita ao cativo, a paciência com o
neófito, a disposição para ensinar e aconselhar, o compartilhamento, a oferta,
o socorro, a fé naquele a quem muitos abandonaram “por não ter mais jeito”,
etc. São gestos simples, mas que podem revelar a Cristo se nós estivermos enxertados
nele.
O amor
ao próximo provado na prática atrai e prepara um campo “mais fértil” para se
plantar a boa semente do Evangelho. Uma vida cristã fundada no exemplo e na
prática das palavras de Cristo torna a pregação do Evangelho algo muito mais
efetivo. O poder está em Deus para salvar, certamente. No entanto, o testemunho
cristão caracterizado pela adesão firme à mensagem e proposta do Evangelho,
pela unidade e comunhão da igreja, gera vida, exemplo e promove atração (At 2:
46,47). Lembremos: somos instrumentos de Deus para a salvação, portanto,
devemos ser bons discípulos. Como? Imitando o Mestre (1 Cor. 11: 1)! Como ser
luz do mundo e sal da terra (Mt 5: 13)? Imitando a Cristo na prática do amor
(Ef. 5: 1). É através do amor que pregamos com intensidade, não importa se é
com abraço e gestos de ternura ou se é com palavras e atitudes aparentemente
duras em relação ao pecado. O amor constrange o pecador. É a arma mais poderosa
na evangelização. É o primeiro da lista dos frutos do espírito (Gl 5: 22). O
amor desarma qualquer ataque. Aliás, sem amor, não teria sentido pregar a Boa
Notícia, pois seu conteúdo é o amor (1 Cor 13: 1-3).
No
mesmo contexto do versículo em destaque, Jesus apresenta o novo mandamento: “que vos amei uns aos outros; assim como eu
vos amei, que também amei uns aos outros” (v. 34). Amar não se trata apenas
de um sentimento (que já se tem ou se nutre) em nosso coração. Amar, muito mais
que um sentimento (pois também o é), é uma decisão. Se não podíamos, antes (por
causa de nosso pecado), escolher e livremente deliberar sobre as coisas eternas,
agora podemos – pelo conhecimento da graça – escolher amar.
Sim! Nós
podemos decidir amar ou não! O amor ao
pecador, o amor àquele que nos persegue e o amor àquele a quem parece não valer
a pena lutar e estender a mão pode acontecer diante de nossa espontaneidade em
querer e decidir amar. Essa decisão nos foi dada diante do conhecimento do
Evangelho e da transformação pessoal e convencimento por obra do Consolador
(14: 25). Essa decisão está estreitamente ligada à nossa transformação pessoal
pelo poder de Deus e pelo conhecimento do Evangelho (CFW, capítulo XVI, II e
III). Caminha junta com a nossa frutificação espiritual (Gl 2: 22) desde nossa
justificação e regeneração.
Uma
vida piedosa se resume em atitudes de amor e não em conhecimentos, palavras e
teorização da fé. Amor, portanto, é agir em prol daquele a quem decidimos
estender a mão. Abro um parêntese aqui para a lição presente nas três perguntas
de Jesus a Pedro (Jo 21: 15-17). Para cada resposta de Pedro a uma pergunta
(“amas-me?”), Jesus ordenava o apóstolo a exercer o pastoreio de suas ovelhas.
Ou seja: o efetivo serviço cristão deve passar pelo crivo e pelo teste do amor,
senão torna-se ineficaz e sem vida.
Podemos ter uma teologia
sensacional, um peso acadêmico de primeira qualidade, uma estrutura física de
excelência, mas sem responder à pergunta de Cristo sobre o nosso amor e real
devoção a Ele, tudo passa a ser vão. Aliás, a terceira pergunta de Jesus a
Pedro está no original (grego) como “phíleo”
que quer dizer: “amizade”, ou “amor
de relacionamento”, “afeição”, “intimidade” e “compromisso” (é a pergunta que entristeceu Pedro!). Ela corrobora
com o verso 15 do capítulo 15 de João:
“Já não vos chamo servos, porque o servo não
sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto
ouvi de meu pai vos tenho dado a conhecer”.
Nosso
chamado é para o relacionamento com Cristo. Fomos chamados para servir e para
sermos amigos de nosso Senhor. E só somos amigos quando procuramos viver como
Ele viveu, pois aí está o segredo da boa amizade: a cumplicidade. Só assim
podemos ser igrejas e ir de encontro às ovelhas que são de Cristo.
O amigo
de Jesus é, portanto, aquele que tem conhecido o mistério e a essência do
ministério de Cristo, a saber, o amor. Conhecendo e praticando o amor, estamos
prontos para a missão.
No
capítulo 17, através de sua oração sacerdotal, Jesus expressa seu profundo amor
e imensurável apreço à Igreja e roga ao Pai que guarde seu povo de todo mal (v.
14, 15) e que os santifique (v. 16-19) para que o mundo possa conhecer – pela
unidade da Igreja – que Deus enviou o Cristo e que Deus ama seu povo, assim
como amou a Cristo (v. 23). Veja:
“eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam
aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os
amaste, como também amaste a mim”.
A
unidade da igreja em genuína comunhão, em ajuda mútua, em sã teologia alinhada
à ortopraxia, no trabalho evangelístico e na boa assistência aos perdidos e novos
na fé, gera aperfeiçoamento e esse aperfeiçoamento é, entretanto, fruto do
amor. Igreja que cresce em unidade e que cresce em graça é a igreja que ama. Essa
é a igreja que dá testemunho vivo de Jesus Cristo. É a igreja que pratica o
mandamento de Deus: amar o próximo como Cristo também amou a igreja.
O critério para medir a nossa fé é a
evidência de nosso gesto e de nossa postura como cristãos. Ou seja, a nossa fé
está totalmente ligada com o nosso testemunho pessoal. E o testemunho pessoal
só é efetivo na prática do amor (que é o cumprimento do principal mandamento/
Jo 13: 34). A fé só é operante, portanto, se estamos vivendo esse amor.
Se nós amamos
a Cristo e reconhecemos seu gesto de amor e, se amamos o nosso próximo como
Cristo também nos amou, estamos aptos para assumir a tarefa que nos foi
proposta. Mas precisamos guardar seus mandamentos que se resumem em basicamente
dois: amar a Deus e amar o próximo como a
nós mesmos. Jesus disse (em Jo 14: 12) que aquele que nele crê, poderá
fazer as mesmas obras que Ele aqui fez e, ainda, obras maiores. Contudo, Ele
conclui (v. 15) dizendo: “se me amais, guardareis os meus mandamentos” e logo
promete a vinda do Consolador (Espírito Santo) para caminhar conosco nessa
missão, ensinando todas as coisas (Jo 14: 26), inclusive a viver a prática do
amor (15: 9-14).
Portanto,
seremos conhecidos pela prática do amor. Não pelos belos prédios, pelo bom e
tradicional nome e pelas riquezas de nossos discursos.
Muitas
denominações já têm tudo isso e nem sempre vivem a essência do Evangelho. Isso
não é o suficiente! Não adianta falar de amor, ensinar a teoria do amor ou
cantar sobre o amor. O amor é metafísico, o amor é sentimento e o amor sem
prática é abstrato. Só a prática do amor pode personificar a essência da nossa
mensagem, a saber, a revelação de Jesus Cristo como Senhor e Salvador de todo
aquele que crê.
As palavras de Jesus em João 13: 35 foram
dadas, enfim, para dizer aos discípulos o seguinte: o mundo vai odiar vocês (Jo
15: 18,19), vocês serão perseguidos por causa da minha mensagem (15: 20), mas “vós
sereis minhas testemunhas, porque estais comigo desde o princípio” (v. 27).
Portanto: todos conhecerão e saberão que vocês são meus discípulos, pois, se
praticarem o amor que eu vos ensinei, amando uns aos outros (13: 35), eu serei
revelado através de vocês (17: 23).
Gabriel Felipe M. Rocha
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