A
FILOSOFIA E SEU INDISPENSÁVEL PAPEL NA APOLOGÉTICA CRISTÃ SÉRIA
Por Gabriel Felipe M.
Rocha
Ontem um amigo me enviou um e-mail cujo conteúdo era uma postagem cheia de falácia em certo blog. Ele queria que eu lesse, uma vez que ele havia anteriormente lido e achado a tal postagem demasiadamente tola. Li a postagem que, na sua maior parte, era uma colagem de um artigo alheio (algo muito comum em blogs de qualidade duvidosa). Achei bastante confuso, pois, ao mesmo tempo em que contavam alguns aspectos da história da Filosofia, (de uma forma bem superficial e “solta”), empregavam um versículo fora do contexto que dizia:
“Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo”, de Colossenses 2:8. E, logo, deixava uma “exortação” com outro versículo bíblico isolado: “há caminhos que para o homem parecem direitos [...] mas o seu fim é a morte” (Pv 14:12).
Tirando a postagem sobre a Filosofia (que certamente foi copiada), as citações bíblicas ficaram “soltas ao vento” e se tornaram pretexto para explicar uma espécie de ignorância, uma vez que parece ter atacado pessoas que tem um grau de instrução e formação na área filosófica.
Mas, ao ler, algo me chamou a atenção e me fez dedicar a este pequeno artigo de cunho reflexivo.
Faço rápida a minha análise:
É de se abismar com o tamanho da ignorância de alguns evangélicos (principalmente de cunho pentecostal e neopentecostal) a respeito do tema “Filosofia” no meio cristão. Ignoram muitas verdades, por não conhecerem absolutamente nada a respeito da história do Cristianismo e suas influências judaicas e gregas, literárias e filosóficas, e se prestam a desserviços intelectuais (ou pseudointelectuais, pois na verdade muitos nem sabem do que falam) postando asneiras sem fim em nome dos direitos e da tão aclamada conquista da liberdade de expressão – que aqui é e sempre será respeitada, no entanto, asneiras e parolices serão duramente refutadas aqui, pois levamos a Palavra a sério.
Mas para esses, existem intelectuais sérios, verdadeiros estudantes da Bíblia, pessoas com formação acadêmica e vida espiritual consolidada e blogs sérios.
Atualmente faço um mestrado em Filosofia cuja linha de pesquisa é Ética e Antropologia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte (“Faje”) e lá temos, inicialmente, um ensino fundamental sobre a questão “Filosofia x Teologia”: não existe Teologia séria sem uma análise filosófica, ou, não há teologia sem filosofia.
Isso de fato é verdade por várias razões. Razões que aqui explicarei de uma forma prévia e não tão aprofundada, pois é um tema acadêmico que merece um estudo mais exaustivo. A Faje-BH é uma das cinco melhores faculdades de Teologia e Filosofia do Brasil, sempre se destacando em primeiro lugar dentre as tais e a primeira faculdade de Filosofia e Teologia a tratar da “questão filosófica do Transcendente” (ou de Deus) e seu reconhecimento, não só nessa área, mas na área da Filosofia e Teologia, é internacional.
Mas, analisando o lado extremo, o grande problema hoje em alguns “cursos de teologia de igreja” ditos “cursos superiores” é o fato de dizerem que não precisam da Filosofia. E alguns incautos e cheios de vãs superstições (superstições pentecostais) ainda dizem que “Filosofia é coisa do mal” ou “conhecimento humanista” (muitos nem sabem o que é, de fato, humanismo e por ignorância colocam a Filosofia como uma toda “humanista”). Quanta ignorância! No entanto, esses, muitas vezes não sabendo ao menos escrever corretamente alguns textos e palavras (como sempre vejo), fazem cursos (muitas vezes gratuitos e sem o devido reconhecimento acadêmico) e se dizem “teólogos” e saem publicando conceitos falaciosos.
Mas vamos lá:
O termo “theologia” pertence originalmente à linguagem filosófica. Sua primeira ocorrência encontra-se em Platão, onde designa o discurso mítico-poético sobre Deus. Aristóteles, porém, é o primeiro que fala da “ciência teológica” (grego: theológiké epistéme). Usa esta expressão para designar a sua “filosofia primeira” (próte philosophia), enquanto saber filosófico do divino (to theion). Esta terminologia se manteve na filosofia grega posterior. Portanto, “teologia” é um termo proveniente da Filosofia. Vou repetir: “teologia é um termo que nasceu da Filosofia”, sendo assim, se existe uma teologia que anula ou desconsidera a filosofia, ela não é uma teologia autêntica ou séria, e, para os incautos que dizem que a Filosofia é um caminho humanista apenas e incapaz de colocar o discurso da Verdade sobre Deus, digo: quem estuda teologia (por pior que seja o curso) está fazendo indiretamente filosofia, pois a teologia nada mais é do que uma ramificação da Filosofia. Vai dormir com essa? Mas uma coisa está totalmente correta: de fato, a Filosofia não pode fazer o homem chegar até Deus. Ninguém alcança o Criador através da pura razão e humanamente inferior à sabedoria divina.
Apropriação do termo “Teologia” pelo Cristianismo:
O Cristianismo, como religião proveniente dos ensinamentos de Cristo, apareceu como a portadora da resposta que a Filosofia antes sempre buscou, a saber, a contemplação do Supremo (Ser Supremo [ou Deus]) pelo “Logos” (o próprio Homem-Deus = Jesus, o Verbo). Mas mesmo com a detenção da Verdade revelada (o Evangelho), ela não desfez dos conceitos filosóficos e a própria Bíblia no Novo Testamento é repleta de influências filosóficas e também usa em seu conteúdo o uso de métodos de explicação da “mensagem das Boas Novas” através de significações e linguagens que sugerem sempre o ato do pensar, do refletir e do analisar. Jesus mesmo usava bastante tais métodos em suas parábolas. Ele usava significações e fazia da linguagem um método de reflexão, sempre fazendo menção a algo transcendente àquela mensagem literal. Assim também foi João, foi Paulo, foi o autor de Hebreus, etc. A Filosofia para o verdadeiro cristão não busca mais “chegar até Deus”, pois sabemos – pela fé – que Deus é alcançado em Cristo e por Cristo, por isso Ele é o Caminho, a Porta, o Pastor, a Escada, etc. Mas ela, a Filosofia, é, para nós, um excelente instrumento racional de apologética, hermenêutica, reflexão, etc.
Com o Cristianismo, o termo “Teologia” passou pouco a pouco a significar, não somente uma investigação de caráter filosófico, mas uma dimensão da “filosofia primeira” ou Metafísica, como entre os gregos, mas o estudo da mensagem cristã e do próprio Deus à luz da sua auto-revelação. O uso to termo “Teologia” ainda sofreria ao longo da história algumas significações que não caberia destacar aqui todas elas, pois ficaria um artigo muito longo.
Vale lembrar que, muito antes da institucionalização da Igreja (que gerou a dita Igreja Católica Apostólica Romana), a Filosofia já fazia parte da reflexão “teológica” da Primeira Igreja, inclusive o Cristianismo tem muitas influências filosóficas que poderemos destacar aqui pelo menos duas. Então não podemos dizer que a Filosofia foi “um mal de raiz católica” que adentrou a Igreja. No máximo podemos dizer que a Igreja Católica promoveu a efetivação da Filosofia e deu primazia à Filosofia para explicar a revelação divina.
Outro aspecto que vale lembrar é o seguinte:
A revelação divina se explica por si só. A Bíblia explica a Bíblia, pois tal é a revelação divina (conceito forte no protestantismo). Portanto a Filosofia é apenas um instrumento para a discussão de determinados pontos a respeito da Revelação. A própria Bíblia, ao explicar-se (explicar a revelação pela revelação), usou, por influência de seus escritores (como Paulo, João e outros) alguns conceitos filosóficos que eram presentes na cultura grega.
Deus não precisa do homem e nem da sabedoria humana para se explicar ou para ser explicado. Isso é verdade e é uma verdade que aqui defendemos. No entanto o bom uso da Filosofia nos ajuda a discutir assuntos e temas ligados à Revelação divina. Como qualquer outro instrumento, a Filosofia deve ser bem usada, inclusive por pessoas que a dominem de verdade.
Exemplos de influências da Filosofia na mensagem cristã do primeiro século:
Paulo em sua carta aos Tessalonicenses no capítulo 5, verso 23 aplica em sua frase a ideia tricotômica do homem: “[...] e vosso espírito, alma e corpo sejam irrepreensíveis [...]”. Essa influência ele recebera de seus estudos ainda antes da conversão e sob forte influência platônica ele, ele explicou o conteúdo da Revelação com a razão. Aliás, vale lembrar que Paulo quando diz que seu saber e conhecimento ele compararia com o esterco, ele não estava dizendo que a razão humana para nada serve, mas que, na verdade, ela por si só não nos faz chegar à Deus e tampouco alcançar seus mistérios. Mas, a sabedoria humana juntamente com a revelação divina forma uma excelente equipe. “Seja o vosso culto racional”, apelou já Paulo aos coríntios, ou seja, no original grego, o “culto racional” aponta exatamente para o culto ou celebração com nexo, sensatez e reflexão. Nada diferente do que busca a Filosofia.
João também, ao falar com um público universal através de seu Evangelho e suas cartas, lançou mão de um recurso intelectual para poder falar diretamente com alguns. Como a Filosofia era uma ciência comum, era de conhecimento de muitos (não todos) a questão do “logos”, termo grego (e também expressão filosófica de raiz Clássica). Na Filosofia Clássica, o “logos” era o meio pelo qual o ‘sábio’ chegaria à contemplação última ou ao Bem transcendente. Na perspectiva cristã, podemos dizer que o Logos (grego = “verbo” = Cristo) é o único meio de alcançarmos a Eternidade de Deus e o próprio Deus (Bem/ Transcendente) e a figura do “sábio” passa a ser agora a figura do “cristão”.
O próprio Cristo usou de significações e apelo ao racional quando pregava, ensinava e ditava suas parábolas. Veja que, quando João Batista estava preso, esse perguntou aos seus discípulos se Jesus era mesmo o Cristo ou se esperariam outro. Jesus havia respondido tal pergunta dizendo: “diga a ele que os cegos vêem, e os coxos andam; os leprosos são limpos, e os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho (Mateus 11:5). Essa resposta de Jesus à João Batista foi bastante interessante, pois Ele não respondeu apenas “sim, João Batista, sou eu mesmo o Cristo”, mas criou um ambiente de reflexão racional para daí nascer a fé completa. Essas significações são de cunho racional e filosófico naquilo que diz respeito ao “convite para o pensar”, algo que Jesus sempre fazia em seu corrido ministério.
Bem, gostaria de escrever mais, pois o assunto é bom e gostoso, mas merece uma análise mais exaustiva e como tenho me ocupado bastante em meu projeto de dissertação, não posso fazê-lo agora.
Aliás, quero apenas, de forma bem rápida, desmistificar aqui um versículo usado de maneira errada por alguns:
“há caminhos que para o homem parecem direitos [...] mas o seu fim é a morte” (Pv 14:12).
A palavra “caminhos” usada pelo escritor de Provérbios está no original hebraico como “derekh” e no contexto traz a idéia de “costume”, “conduta”, assim como “caminho” na forma literal. Portanto, usar esse texto para explicar (de forma solta) que “Filosofia” é o mau “caminho” é, no mínimo, ridículo. A Filosofia só poderá vir a ser um “mau caminho” se ela se tornar a regra fundamental para se buscar com a própria razão a Deus (dependendo apenas da racionalidade humana). Mas ela em si não é o “caminho” que parece direito e seu fim é a morte... Tentam usar esse texto de forma tão equivocada quanto usam o famoso “a letra mata...” (que por muitos é usado errado).
Outro texto que gostaria de desmistificar aqui é:
“Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo” (Colossenses 2:8)
O próprio texto nos é direto e se explica: o texto não condena a Filosofia naquilo que é seu conteúdo fundamental, mas sim as vãs filosofias, ou seja, o próprio texto traz uma separação da Filosofia sã e da “filosofia vã”, pois se toda Filosofia fosse em si “vã”, Paulo apenas chamaria de “Filosofia” e o texto seria: “tenham cuidado para que ninguém vos escravize (ou vos engane) com a Filosofia (ou com filosofias). Aliás, o termo “Filosofia” aplicado por Paulo no original não trata da ciência chamada Filosofia, mas faz menção dos “conceitos” elaborados pelo homem que vão contra a sã doutrina. De igual modo, a vã filosofia é aquela que tenta por si só (totalmente alheia à Revelação divina e a espiritualidade) explicar a Deus e a sua Mensagem através dos conceitos provenientes do coração falho e duvidoso do homem. Mas a intelectualidade usada e aplicada no espírito e pelo Espírito Santo só tem a somar para a glória e anunciação do Reino.
Obrigado pela paciência em ler, querido e estimado leitor!
A paz de nosso Senhor!
Gabriel Felipe M. Rocha
Graduado em História (licenciatura e bacharelado), pós-graduado em Sociologia (lato sensu); bacharel em Teologia (com ênfase em História da Igreja), mestrando em Filosofia (stricto sensu) com área de atuação em Antropologia e Ética na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte, estudou Francês Instrumental na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte, atualmente desenvolve uma dissertação acadêmica (mestrado) na área da Ética e Antropologia, cujo tema central é “Realização Humana no pensamento de H.C. de Lima Vaz”.
“Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo”, de Colossenses 2:8. E, logo, deixava uma “exortação” com outro versículo bíblico isolado: “há caminhos que para o homem parecem direitos [...] mas o seu fim é a morte” (Pv 14:12).
Tirando a postagem sobre a Filosofia (que certamente foi copiada), as citações bíblicas ficaram “soltas ao vento” e se tornaram pretexto para explicar uma espécie de ignorância, uma vez que parece ter atacado pessoas que tem um grau de instrução e formação na área filosófica.
Mas, ao ler, algo me chamou a atenção e me fez dedicar a este pequeno artigo de cunho reflexivo.
Faço rápida a minha análise:
É de se abismar com o tamanho da ignorância de alguns evangélicos (principalmente de cunho pentecostal e neopentecostal) a respeito do tema “Filosofia” no meio cristão. Ignoram muitas verdades, por não conhecerem absolutamente nada a respeito da história do Cristianismo e suas influências judaicas e gregas, literárias e filosóficas, e se prestam a desserviços intelectuais (ou pseudointelectuais, pois na verdade muitos nem sabem do que falam) postando asneiras sem fim em nome dos direitos e da tão aclamada conquista da liberdade de expressão – que aqui é e sempre será respeitada, no entanto, asneiras e parolices serão duramente refutadas aqui, pois levamos a Palavra a sério.
Mas para esses, existem intelectuais sérios, verdadeiros estudantes da Bíblia, pessoas com formação acadêmica e vida espiritual consolidada e blogs sérios.
Atualmente faço um mestrado em Filosofia cuja linha de pesquisa é Ética e Antropologia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte (“Faje”) e lá temos, inicialmente, um ensino fundamental sobre a questão “Filosofia x Teologia”: não existe Teologia séria sem uma análise filosófica, ou, não há teologia sem filosofia.
Isso de fato é verdade por várias razões. Razões que aqui explicarei de uma forma prévia e não tão aprofundada, pois é um tema acadêmico que merece um estudo mais exaustivo. A Faje-BH é uma das cinco melhores faculdades de Teologia e Filosofia do Brasil, sempre se destacando em primeiro lugar dentre as tais e a primeira faculdade de Filosofia e Teologia a tratar da “questão filosófica do Transcendente” (ou de Deus) e seu reconhecimento, não só nessa área, mas na área da Filosofia e Teologia, é internacional.
Mas, analisando o lado extremo, o grande problema hoje em alguns “cursos de teologia de igreja” ditos “cursos superiores” é o fato de dizerem que não precisam da Filosofia. E alguns incautos e cheios de vãs superstições (superstições pentecostais) ainda dizem que “Filosofia é coisa do mal” ou “conhecimento humanista” (muitos nem sabem o que é, de fato, humanismo e por ignorância colocam a Filosofia como uma toda “humanista”). Quanta ignorância! No entanto, esses, muitas vezes não sabendo ao menos escrever corretamente alguns textos e palavras (como sempre vejo), fazem cursos (muitas vezes gratuitos e sem o devido reconhecimento acadêmico) e se dizem “teólogos” e saem publicando conceitos falaciosos.
Mas vamos lá:
O termo “theologia” pertence originalmente à linguagem filosófica. Sua primeira ocorrência encontra-se em Platão, onde designa o discurso mítico-poético sobre Deus. Aristóteles, porém, é o primeiro que fala da “ciência teológica” (grego: theológiké epistéme). Usa esta expressão para designar a sua “filosofia primeira” (próte philosophia), enquanto saber filosófico do divino (to theion). Esta terminologia se manteve na filosofia grega posterior. Portanto, “teologia” é um termo proveniente da Filosofia. Vou repetir: “teologia é um termo que nasceu da Filosofia”, sendo assim, se existe uma teologia que anula ou desconsidera a filosofia, ela não é uma teologia autêntica ou séria, e, para os incautos que dizem que a Filosofia é um caminho humanista apenas e incapaz de colocar o discurso da Verdade sobre Deus, digo: quem estuda teologia (por pior que seja o curso) está fazendo indiretamente filosofia, pois a teologia nada mais é do que uma ramificação da Filosofia. Vai dormir com essa? Mas uma coisa está totalmente correta: de fato, a Filosofia não pode fazer o homem chegar até Deus. Ninguém alcança o Criador através da pura razão e humanamente inferior à sabedoria divina.
Apropriação do termo “Teologia” pelo Cristianismo:
O Cristianismo, como religião proveniente dos ensinamentos de Cristo, apareceu como a portadora da resposta que a Filosofia antes sempre buscou, a saber, a contemplação do Supremo (Ser Supremo [ou Deus]) pelo “Logos” (o próprio Homem-Deus = Jesus, o Verbo). Mas mesmo com a detenção da Verdade revelada (o Evangelho), ela não desfez dos conceitos filosóficos e a própria Bíblia no Novo Testamento é repleta de influências filosóficas e também usa em seu conteúdo o uso de métodos de explicação da “mensagem das Boas Novas” através de significações e linguagens que sugerem sempre o ato do pensar, do refletir e do analisar. Jesus mesmo usava bastante tais métodos em suas parábolas. Ele usava significações e fazia da linguagem um método de reflexão, sempre fazendo menção a algo transcendente àquela mensagem literal. Assim também foi João, foi Paulo, foi o autor de Hebreus, etc. A Filosofia para o verdadeiro cristão não busca mais “chegar até Deus”, pois sabemos – pela fé – que Deus é alcançado em Cristo e por Cristo, por isso Ele é o Caminho, a Porta, o Pastor, a Escada, etc. Mas ela, a Filosofia, é, para nós, um excelente instrumento racional de apologética, hermenêutica, reflexão, etc.
Com o Cristianismo, o termo “Teologia” passou pouco a pouco a significar, não somente uma investigação de caráter filosófico, mas uma dimensão da “filosofia primeira” ou Metafísica, como entre os gregos, mas o estudo da mensagem cristã e do próprio Deus à luz da sua auto-revelação. O uso to termo “Teologia” ainda sofreria ao longo da história algumas significações que não caberia destacar aqui todas elas, pois ficaria um artigo muito longo.
Vale lembrar que, muito antes da institucionalização da Igreja (que gerou a dita Igreja Católica Apostólica Romana), a Filosofia já fazia parte da reflexão “teológica” da Primeira Igreja, inclusive o Cristianismo tem muitas influências filosóficas que poderemos destacar aqui pelo menos duas. Então não podemos dizer que a Filosofia foi “um mal de raiz católica” que adentrou a Igreja. No máximo podemos dizer que a Igreja Católica promoveu a efetivação da Filosofia e deu primazia à Filosofia para explicar a revelação divina.
Outro aspecto que vale lembrar é o seguinte:
A revelação divina se explica por si só. A Bíblia explica a Bíblia, pois tal é a revelação divina (conceito forte no protestantismo). Portanto a Filosofia é apenas um instrumento para a discussão de determinados pontos a respeito da Revelação. A própria Bíblia, ao explicar-se (explicar a revelação pela revelação), usou, por influência de seus escritores (como Paulo, João e outros) alguns conceitos filosóficos que eram presentes na cultura grega.
Deus não precisa do homem e nem da sabedoria humana para se explicar ou para ser explicado. Isso é verdade e é uma verdade que aqui defendemos. No entanto o bom uso da Filosofia nos ajuda a discutir assuntos e temas ligados à Revelação divina. Como qualquer outro instrumento, a Filosofia deve ser bem usada, inclusive por pessoas que a dominem de verdade.
Exemplos de influências da Filosofia na mensagem cristã do primeiro século:
Paulo em sua carta aos Tessalonicenses no capítulo 5, verso 23 aplica em sua frase a ideia tricotômica do homem: “[...] e vosso espírito, alma e corpo sejam irrepreensíveis [...]”. Essa influência ele recebera de seus estudos ainda antes da conversão e sob forte influência platônica ele, ele explicou o conteúdo da Revelação com a razão. Aliás, vale lembrar que Paulo quando diz que seu saber e conhecimento ele compararia com o esterco, ele não estava dizendo que a razão humana para nada serve, mas que, na verdade, ela por si só não nos faz chegar à Deus e tampouco alcançar seus mistérios. Mas, a sabedoria humana juntamente com a revelação divina forma uma excelente equipe. “Seja o vosso culto racional”, apelou já Paulo aos coríntios, ou seja, no original grego, o “culto racional” aponta exatamente para o culto ou celebração com nexo, sensatez e reflexão. Nada diferente do que busca a Filosofia.
João também, ao falar com um público universal através de seu Evangelho e suas cartas, lançou mão de um recurso intelectual para poder falar diretamente com alguns. Como a Filosofia era uma ciência comum, era de conhecimento de muitos (não todos) a questão do “logos”, termo grego (e também expressão filosófica de raiz Clássica). Na Filosofia Clássica, o “logos” era o meio pelo qual o ‘sábio’ chegaria à contemplação última ou ao Bem transcendente. Na perspectiva cristã, podemos dizer que o Logos (grego = “verbo” = Cristo) é o único meio de alcançarmos a Eternidade de Deus e o próprio Deus (Bem/ Transcendente) e a figura do “sábio” passa a ser agora a figura do “cristão”.
O próprio Cristo usou de significações e apelo ao racional quando pregava, ensinava e ditava suas parábolas. Veja que, quando João Batista estava preso, esse perguntou aos seus discípulos se Jesus era mesmo o Cristo ou se esperariam outro. Jesus havia respondido tal pergunta dizendo: “diga a ele que os cegos vêem, e os coxos andam; os leprosos são limpos, e os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho (Mateus 11:5). Essa resposta de Jesus à João Batista foi bastante interessante, pois Ele não respondeu apenas “sim, João Batista, sou eu mesmo o Cristo”, mas criou um ambiente de reflexão racional para daí nascer a fé completa. Essas significações são de cunho racional e filosófico naquilo que diz respeito ao “convite para o pensar”, algo que Jesus sempre fazia em seu corrido ministério.
Bem, gostaria de escrever mais, pois o assunto é bom e gostoso, mas merece uma análise mais exaustiva e como tenho me ocupado bastante em meu projeto de dissertação, não posso fazê-lo agora.
Aliás, quero apenas, de forma bem rápida, desmistificar aqui um versículo usado de maneira errada por alguns:
“há caminhos que para o homem parecem direitos [...] mas o seu fim é a morte” (Pv 14:12).
A palavra “caminhos” usada pelo escritor de Provérbios está no original hebraico como “derekh” e no contexto traz a idéia de “costume”, “conduta”, assim como “caminho” na forma literal. Portanto, usar esse texto para explicar (de forma solta) que “Filosofia” é o mau “caminho” é, no mínimo, ridículo. A Filosofia só poderá vir a ser um “mau caminho” se ela se tornar a regra fundamental para se buscar com a própria razão a Deus (dependendo apenas da racionalidade humana). Mas ela em si não é o “caminho” que parece direito e seu fim é a morte... Tentam usar esse texto de forma tão equivocada quanto usam o famoso “a letra mata...” (que por muitos é usado errado).
Outro texto que gostaria de desmistificar aqui é:
“Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo” (Colossenses 2:8)
O próprio texto nos é direto e se explica: o texto não condena a Filosofia naquilo que é seu conteúdo fundamental, mas sim as vãs filosofias, ou seja, o próprio texto traz uma separação da Filosofia sã e da “filosofia vã”, pois se toda Filosofia fosse em si “vã”, Paulo apenas chamaria de “Filosofia” e o texto seria: “tenham cuidado para que ninguém vos escravize (ou vos engane) com a Filosofia (ou com filosofias). Aliás, o termo “Filosofia” aplicado por Paulo no original não trata da ciência chamada Filosofia, mas faz menção dos “conceitos” elaborados pelo homem que vão contra a sã doutrina. De igual modo, a vã filosofia é aquela que tenta por si só (totalmente alheia à Revelação divina e a espiritualidade) explicar a Deus e a sua Mensagem através dos conceitos provenientes do coração falho e duvidoso do homem. Mas a intelectualidade usada e aplicada no espírito e pelo Espírito Santo só tem a somar para a glória e anunciação do Reino.
Obrigado pela paciência em ler, querido e estimado leitor!
A paz de nosso Senhor!
Gabriel Felipe M. Rocha
Graduado em História (licenciatura e bacharelado), pós-graduado em Sociologia (lato sensu); bacharel em Teologia (com ênfase em História da Igreja), mestrando em Filosofia (stricto sensu) com área de atuação em Antropologia e Ética na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte, estudou Francês Instrumental na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte, atualmente desenvolve uma dissertação acadêmica (mestrado) na área da Ética e Antropologia, cujo tema central é “Realização Humana no pensamento de H.C. de Lima Vaz”.
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