Jesus certa vez disse aos seus discípulos que "todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha;
E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e não caiu, porque estava edificada sobre a rocha.
E aquele que ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia;
E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua queda”. Mateus 7:24-27
Gosto de
pensar que nestes versículos temos um ensinamento bastante interessante para
tempos tão hipermodernos. Basicamente Jesus coloca duas possibilidades para a
construção de uma casa. Ou se constrói sobre a rocha, ou se constrói sobre a
areia. A vantagem de se construir sobre a rocha é o fato de que ela suporta as
adversidades enquanto a que é construída sobre a areia não. Ou seja, é muito
mais vantajoso construir a casa sobre a rocha se quisermos que tal casa
permaneça apesar das intempéries.
Um dado
que penso ser curioso é o fato de que a areia das praias é formada à partir da
abrasão marinha (força que as ondas exercem sobre as rochas), que é uma espécie
de processo erosivo, que deposita seus sedimentos (grãos de areia) na sua
planície de inundação (que é a praia). Ou seja, a areia da praia é constituída
por pequenas partes de rochas que são "lascadas" pelo tempo e pelo
mar, ou seja, pela intempéries que atingiram a rocha e a fizeram ser depositada
na praia.
O que
quero dizer com isso é que podemos construir nossas relações tanto com os
outros quanto com Deus dentro de uma dessas perspectivas. Podemos construir
sobre a areia, ou seja, em alguns aspectos que aparentemente são sólidos, mas
que não resistem à nenhuma intempérie, como por exemplo quando nos relacionamos
com Deus visando algo em troca, ou quando apoiamos nosso relacionamento naquilo
que supostamente Deus pode ou não fazer por mim, se ele fez ou não um milagre
em determinado momento, etc. Estas coisas mesmo tendo um aspecto de
"certeza indubitável", não fazem com que a casa construída sobre ela
resista às intempéries que a vida traz para o sujeito. Essas construções estão
sobre a areia.
Da mesma
forma, vários relacionamentos na contemporaneidade se fundam no mesmo
princípio. Como tudo precisa ser muito rápido, não se dá tempo para que algo
seja construído sobre a rocha, mas as demandas sempre urgentes fazem com que os
relacionamentos se baseiem em pequenos pontos de apoio. Esses pontos de apoio
dão a impressão de que o relacionamento está sendo construído sobre uma base
sólida, mas a própria dinâmica da vida será capaz de mostra que tal
empreendimento tem apenas a aparência de se estar sobre a rocha. Obviamente que
a preferência pela construção sobre a areia é devido à facilidade de tal
construção. Construir sobre a areia demanda menos esforço, é mais rápido, às
vezes até mais barato que uma construção sobre a rocha, o que torna tal
empreendimento muito mais atrativo. No entanto, sabemos que a tendência é que
este relacionamento construído sobre a areia da praia não resista às
intempéries que lhe sobrevém. O imediatismo da construção é diretamente
proporcional ao imediatismo da ruína.
Dentro do
contexto eclesiástico vi várias casas construídas sobre a areia, sobre emoções,
sobre "experiências espirituais". Era tudo muito rápido, era uma espécie
de arrebatamento que tomava o sujeito e ele se transformava da noite para o
dia. Uma nova casa a cada noite. Com o passar do tempo veio as intempéries e a
casa construída rapidamente logo veio abaixo pois estava construída sobre a
areia. A mesma coisa já vi acontecer com relacionamentos fora do contexto
eclesiástico. Tudo acontecendo muito rápido, sem sedimentação, sem diálogo,
apenas uma grande "passagem ao ato" típico de um comportamento
psicótico. Uma espécie de loucura visando sempre um gozo imediato, mesmo que
perpassado por um discurso de "valor do outro" que a meu ver várias
vezes é esquecido no processo. Novamente uma casa construída sobre a areia que
quando é atingida pelas intempéries não tem onde se apoiar e cai. A
liquidez tão aclamada pelo Bauman se mostra aqui também. Em uma sociedade
líquida, tudo que é sólido realmente se desmancha no ar. Não há tempo para que
algo sólido seja edificado.
A
construção sobre a rocha se mostra como espécie de subversão em uma sociedade
líquida. A proposta de Jesus de uma construção sobre a rocha propõe subverter,
dentro do contexto eclesiástico, todo tipo de moralismo que sempre dá um ar de
estar firmado em terreno firme, mas se mostram ancorados na areia da praia, ou
seja, em fragmentos de rocha. Talvez por isso o critério para saber se algo
está na rocha ou na areia seja a "prática". Ou seja, aquele que ouve
e pratica está sobre a rocha, quem ouve e não pratica não está. Apenas pela
prática é que é possível ver onde está ancorada a casa. Tal proposta já é
explicitada nos versículos 16 ao 21 do capítulo 7 de Mateus.
Quando
penso nos relacionamentos tanto para com Deus quanto outros tipos de
relacionamento, sempre penso que seria muito bom se todos fossem construídos
sobre a rocha, ou seja, de forma calma, serena, bem fundamentados, em uma
dinâmica que não exigisse pressa, não exigisse "provas", mas a partir
do diálogo, a partir de ouvir a palavra, tanto divina, quanto do outro. Um
relacionamento baseado em uma troca dialogal que não precisa correr para nada
pois sabe que todo trabalho bem feito demanda tempo, demanda esforço.
A
proposta de Jesus realmente parece bem estranha dentro de uma sociedade
contemporânea e com certeza vários a acharão "difícil de praticar",
mas a meu ver, Jesus nos incita a nos posicionarmos como aqueles dispostos a
não sucumbir à dinâmica do "tudo rápido", mas a tomarmos a dimensão
temporal como aspecto fulcral da nossa relação com o mundo e não apenas a
dimensão espacial onde tudo ocorre sem a presença do tempo.
Que
possamos construir nossos relacionamentos tanto com Deus quanto com os outros
sobre a rocha. Este é o convite!
Texto de
Fabiano Veliq
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Um comentário:
Que palavra edificante muito bom!!!
Que Deus abençoe todos do Blogger Palavra a Serio!
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