Deus Predestinou alguns para o Céu e outros para o Inferno?
Geralmente, os não-calvinistas são acusados de negar a soberania de Deus e transferi-la para o homem falível. No entanto, sabemos que Deus não é apenas incontestavelmente soberano, mas também é misericordioso, e jamais seria arbitrário a ponto de descartar seres humanos sem motivo algum que não seja um estado deliberado de rebelião contra Ele. Essa é a suma do texto abaixo, extraído do livro Em Defesa da Fé Cristã: respostas a perguntas difíceis, do escritor e apologista norte-americano Dave Hunt, editado no Brasil pela CPAD.
Afiliado aos Irmãos de Plymouth e editor, com Thomas A. MacMahon, da revista eletrônica The Berean Call, Hunt é conhecido por manter um debate saudável e de alto nível com teólogos calvinistas acerca da soteriologia, do que resultou, por exemplo, o livro Debating Calvinism: Five Points, Two Views (Debatendo o Calvinismo: Cinco Pontos, Duas Visões, ainda sem tradução para o português), escrito em parceria com o teólogo calvinista James White.
A própria convivência pacífica entre calvinistas, arminianos e não-calvinistas neste blog é uma prova cabal de que todos podemos coabitar pacifica e respeitosamente com nossas divergências teológicas, já que nosso inimigo de fato e de direito é o Diabo, e as verdadeiras heresias de perdição já são bastante conhecidas, inclusive pelas denúncias que aqui são feitas.
Thiago Lima Barros
Com a palavra, Dave Hunt:
Questão: Um de meus amigos deu as costas para Deus depois do terceiro ano de estudo em um seminário de estudo conservador. Ensinaram-lhe que Deus já decidiu quem será salvo e quem passará a eternidade no inferno, assim como quem passará nesta vida coisas boas ou quem passará coisas más. Você poderia auxiliar-me a ajudar esse meu amigo?
Resposta: Não há dúvida de que Deus é soberano e poderia ter predestinado alguns para o céu e outros para o inferno. Ou Ele poderia enviar todos nós para o inferno, pois é o que merecemos. A questão central não é a soberania de Deus, mas seu amor. Algo que fica muito claro é que Deus quer que toda a humanidade seja salva e vá para o céu:
Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, (…) para que o mundo fosse salvo por ele (Jo. 3:16-17; grifo do autor); o Pai enviou seu Filho para Salvador do mundo (1 Jo. 4:14; grifo do autor).
O Senhor (…) não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se (2 Pe 3.9; grifos do autor); que quer que todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da verdade (1 Tm. 2.4; grifos do autor).
O qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos (1 Tm 2:6; grifo do autor). E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo (1 Jo. 2:2; grifo do autor).
Ninguém irá para o inferno apenas porque Deus assim quis ou porque Ele não fez tudo que podia para persuadi-lo a crer no evangelho que Ele ofereceu total e graciosamente a todos. Aqueles que perecem só perecem porque rejeitaram a salvação que Deus oferece com toda a sua persuasão. Sugerir que Deus não quer que toda a humanidade seja salva é uma difamação do seu caráter, e a Bíblia seria contraditória! Como poderia ser que Deus, que diz que devemos amar nossos inimigos, não amasse os seus? É inconcebível que Deus tenha o desejo de enviar alguém que ele realmente ama para o inferno. Na verdade, muitas pessoas vão para lá pelo fato de rejeitarem a salvação que Deus, amorosamente, nos ofereceu por meio de sua graça.
Presciência Determina a Predestinação
Se for para crer que Deus predestinou algumas pessoas a ir para o inferno, então devemos também acreditar que Ele predestinou Adão e Eva deveriam pecar e, portanto, predestinou todo o mal que se seguiu. Isso é totalmente ilógico e absurdo. O calvinista rigoroso diz que somos totalmente depravados e não podemos escolher se vamos receber a Cristo ou não. No entanto, esse argumento não se aplica a Adão e Eva, pois eles foram criados na inocência. Se hoje, como nós, eles pudessem escolher apenas o mal, então a recomendação de Deus para que não comecem do fruto proibido (como também seu apelo para que venhamos a Cristo) é uma farsa.
A rebelião das criaturas no jardim do Éden, que até aquele momento eram inocentes e viviam em um ambiente perfeito, pode apenas ter sido o resultado do desejo que tinham de opor-se ao desejo de Deus. E se essa não fosse uma escolha genuína, então o pecado não poderia ter entrado no mundo por aquele ato, uma vez que eles já deveriam ser pecadores.
É verdade, Deus previu que Adão e Eva se rebelariam e Ele tinha conhecimento de todo o mal que se seguiria. Portanto, ele providenciou para que todo pecado e todo pecador fosse perdoado por meio de Cristo mesmo antes de Ele ter criado o mundo (Ap. 13:8). Mas Ele não predestinou o mal que se iniciou no Éden e que permeia o mundo! Se Ele assim o fizesse, então todas as violações, assassinatos, ódios e ciumes que já ocorreram na história e continuam ocorrendo até hoje existiriam porque Deus assim predestinou. Mais uma vez, isso é totalmente inconsistente com o caráter de Deus, conforme revelado em sua Palavra.
Romanos 8: 29-30 declara: “Porque os que dantes conheceu, também os predestinou (…) chamou (…) justificou (…) glorificou”. Deus, de forma clara, certificou-se de que o evangelho seria apresentado a todos que Ele sabia que creriam em sua Palavra. Portanto, a presciência é a chave da predestinação. Os calvinistas rigorosos objetam de que o fazer a escolha “é fundamentado em uma ação e a salvação não depende delas”. Entretanto, o fato de um homem escolher aceitar o perdão que Deus oferece em Cristo não constitui uma ação humana. Se um homem que estiver se afogando, impotente para salvar a si mesmo, aceitar uma ajuda de resgate, será que ele, desse modo, teria feito alguma coisa para salvar a si mesmo? Será que ele poderia dizer que foi salvo pelas suas próprias ações? Será que ele poderia se orgulhar (conforme alguns sugerem em relação àqueles que receberam a Cristo por um ato de sua própria vontade) de que seu resgate do afogamento ocorreu porque era “bastante esperto, bastante amoroso, bastante sábio, bastante justo ou bastante qualquer outra coisa”...? é claro que não.
A salvação é toda de Deus e toda pela graça. Aqueles que a aceitam não têm nada a ganhar. Na verdade, um pecador, para ser salvo, deve confessar sua total indignidade e inabilidade para merecer ou ganhar a salvação. Ele deve simplesmente recebê-la como um dom gratuito da graça de Deus.
Um dom incorpora dois elementos essenciais: (1) a doação desse dom; e (2) a recepção dele. Ninguém pode dar um dom a alguém a menos que a pessoa esteja disposta a recebê-lo. Deus não impõe a si mesmo nem a sua graça a ninguém. Devemos, deliberadamente e de boa vontade, eceber o dom da salvação. Essa é a razão pela qual o evangelho é pregado, e para a pessoa ser salva, precisa acreditar nele.
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A grande falha lógica de Calvino
Falo aqui da obra magistral do reformador francês João Calvino. Sua teologia, apresentada em quatro livros e 80 capítulos, é desenvolvida em torno da crença na absoluta soberania divina. Ainda que sua teologia não me agrade, é preciso reconhecer, Calvino é lógico, honesto e coerente em quase tudo o que afirma. Em minha opinião, sua grande falha lógica está aqui:
Onde ouves menção da glória de Deus, aí deves pensar em sua justiça. Ora, o que merece louvor tem de ser justo. Portanto, o homem cai porque assim o ordenou a providência de Deus; no entanto, cai por falha sua. [...] Logo, por sua própria malignidade o homem corrompeu a natureza pura que havia recebido do Senhor, e em sua ruína arrastou consigo à ruína toda a posteridade (As Institutas, Livro III, cap. XXIII, sessão 8).
Para Calvino o homem peca porque Deus assim decretou, mas ainda assim é responsável por seus atos maus. Tal "decreto espantoso" não possui explicação, e não cabe ao homem questioná-lo. Surge uma nova pergunta: e Adão, o primeiro homem, também agiu de acordo com os propósitos divinos? Calvino explica:
O primeiro homem, pois, caiu porque o Senhor assim julgara ser conveniente. Por que ele assim o julgou nos é oculto. Entretanto, é certo que ele não o julgou de outro modo, senão porque via daí ser, com razão, iluminada a glória de seu nome (As Institutas, Livro III, cap. XXIII, sessão 8).
Para fechar, uma última declaração de Calvino (prepare-se):
Eu concedo mais: os ladrões e os homicidas, e os demais malfeitores, são instrumentos da divina providência, dos quais o próprio Senhor se utiliza para executar os juízos que ele mesmo determinou. Nego, no entanto, que daí se deva permitir-lhes qualquer escusa por seus maus feitos (As Institutas, Livro I, Capítulo XVII, seção 5).
Você entende isso?
Gabriel Felipe martins Rocha
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