"Examinai as Escrituras [...]"
(o conceito bíblico de "a letra mata, mas o espírito vivifica")
(por Gabriel Felipe M. Rocha)
Já sabemos que Jesus é o clímax da revelação de Deus: "Ninguém jamais viu a Deus. O Deus unigênito, que está no seio do Pai, esse o deu a conhecer" (Jo 1.18). Jesus é a maior revelação de Deus e, todas as outras inspirações e revelações de Deus aos homens por parte do Criador, eram para mostrar Jesus. A finalidade da revelação é tornar Deus conhecido dos homens.
Para isso, as Palavras do Deus espiritualmente e intelectualmente superior à razão dos homens devem ser mostradas pelo Espírito Santo, aquele que “vos ensinará todas as coisas”. Veja em João 17 que a função do mesmo Espírito Santo é dar ao mundo (através da Igreja) o conhecimento de Deus. Isso configura um caráter explicitamente espiritual e será pela revelação do Espírito Santo que tal conhecimento pode chegar aos homens distantes de Deus.
Mas o que precisamos entender, de fato, aqui é o seguinte: Isso não significa dizer que o texto literal é inválido. Quem diz ou ensina isso está cometendo um grave erro baseado num versículo isolado da Bíblia em (IICor 3:6) que diz assim:
“[...] porque a letra mata, mas o Espírito vivifica”.
Ali Paulo não falava da invalidez das Escrituras, mas sim da validez da mesma sobre a intervenção inspiradora, reveladora e iluminadora do Espírito Santo. Paulo ali, no contexto, falava da Lei e isso não pode fazer alusão à Bíblia que hoje nós temos que é a revelação de Deus. Porém a expressão “letra”, do grego “gramma” que pode falar da Lei, mas pode falar do livro todo, uma epístola e Escrituras (considerando que ali não existia só a Lei, mas a Lei e os Profetas). Essa expressão grega vem do substantivo “grapho” = “escrever” e remete ao sentido literal da escrita. Então não podemos ignorar que Paulo advertia a igreja do mau uso da letra literal, fundamentalista e religiosa.
Mas o que vale como informação central nesse texto é o seguinte: Não é a Lei e nem a Palavra de Deus escrita, em si mesmas, que matam. Trata-se, pelo contrário, das exigências da Lei, que sem a vida e o poder do Espírito, trazem condenação (veja em Jr 31:33; Rm3:31). Mediante a salvação em Cristo, o Espírito santo concede vida e poder espiritual ao crente no manejo das Escrituras que também são vivificadas.
Trocando em miúdos e tendo em vista todo o contexto, Paulo disse assim: "a Lei (grego = "gramma" que pode ser traduzido também por "letra") mostra o pecado, mas o Espírito (grego = pneuma) mostra a Vida. Contudo, podemos em segurança dizer que a Vida mostrada pelo Espírito Santo na Palavra é a Revelação de Jesus Cristo, corroborando assim com as próprias palavras de Paulo.
“a Lei mostra o pecado e o Espírito mostra a vida”
O que mata, de fato, são as exigências da Lei tão operantes em algumas igrejas, usos e costumes exacerbados, legalismo religioso, farisaísmo, sectarismo, etc. Isso tende a matar a fé na constante anulação da graça na vida do crente. Não que a graça seja vencida, mas é negada e essa negação (pela religiosidade operante) será paga com terrível condenação.
Contudo, Cristo havia dito: examinai as Escrituras (livros em si) [..] pois elas de mim testificam (Jesus vivo e revelado nelas). Jesus mostra com clareza que Ele não é a Bíblia em si, não podemos assim mistificá-la, mas a Bíblia fala dEle. Isso é bem claro e é questão de pressupostos atestados pelo crivo das Escrituras e perspectivas corretas em relação às Escrituras.
O fato de Jesus ser testificado pela Palavra corrobora também com o fato de: a Bíblia ter um conteúdo “profético”. Mas antes, vou explicar o termo “profético”: O termo “profético”, assim como “profecia” (grego = prophetéia), é comumente usada nas igrejas, mas, muitas vezes, de forma errada. ‘Profecia’ e ‘profético’ remete ao voltar-se para algo, cujo caminho ou método é apontado. Não é só, portanto, “apontar para frente” e não se passa apenas no horizonte do “descobrir algo sobre o futuro”, mas é, no caso bíblico, “voltar-se para Deus”, assim como (também) alguma informação espiritual futura a respeito de algo. Leiam os profetas bíblicos (maiores e menores) e percebam qual é o conteúdo comum em suas mensagens.
O conteúdo comum, já adiantando aqui, é “voltem para Deus”, cujo caminho é apontado: “obedeçam a sua palavra”. Junto com essa mensagem comum nos profetas, haviam ali os sinais e informações espirituais sobre determinados fatos futuros. Isso define o termo “profético”. Sendo assim, a Bíblia é um livro literariamente e espiritualmente profético, pois é a revelação do projeto de redenção de Deus cuja centralidade está toda em Jesus Cristo, o Verbo de Deus, a verdadeira “Palavra Revelada”. Por que é profética? Porque revela a salvação em Cristo e tal Revelação ao encontro com o espírito humano gera a fé (dom de Deus/ fé para a salvação/ fé da Eternidade), por isso a fé vem pelo ouvir e ouvir a Palavra de Deus, pois seu conteúdo é profético. E nessa promoção de fé pela ação do Espírito Santo (no contexto da soberania e graça divina), produz-se no crente o genuíno avivamento espiritual, ou seja: o Espírito mostra (gera) a vida, enquanto qualquer legalismo (da Lei) ou da religião gera morte.
O ato salvífico de Cristo se resume em: trazer o homem de volta para Deus, logo, o conteúdo da Bíblia é, portanto, profético.
Aliás, a salvação é profética, pois parte do pressuposto bíblico que Deus programou tal projeto na Eternidade e lá elegeu o seu povo para herdar a salvação e a glória em Cristo. Não é à toa que a figura do sangue percorre por toda a Bíblia, mostrando, conforme nos explica o autor de Hebreus, que viria o “Perfeito” (Cristo). Isso sustenta a frase de Cristo: “examinai as Escrituras, pois elas de mim testificam”. Como “de mim testificam”? Pelas figuras e tipos. Onde entra a interpretação e a “revelação” nisso? Entra no fato de: o Espírito conduzir o que manuseia a Palavra ao entendimento de caráter profético que configura numa espécie de revelação, pois, bota “para fora” algo que a Bíblia tinha como “modelo”. Isso se aplica nas peças do Tabernáculo, na figura do Cordeiro, do Sangue, dos tipos humanos, etc. Há aí uma interligação entre RAZÃO e REVELAÇÃO.
Nenhuma é alheia à outra. Estudar, pesquisar e se aprofundar nos textos bíblicos no espírito e pelo Espírito é muito diferente de fazer o mesmo sem a fé. Veja que muitos biblistas alcançam entendimentos profundos sobre o conteúdo histórico, cultural, arqueológico e religioso sobre as escrituras, mas pouquíssimos falam do seu caráter espiritual ou profético. Por quê? Porque não têm o pressuposto fundamental para “botar para fora” aquilo que se discerne espiritualmente, a saber, a fé. Mas vão até onde o espírito humano (a razão humana) pode levar. Mas quando você lê ou estuda a Bíblia partindo desse pressuposto espiritual (a fé), o Espírito de Deus, pela fé, dá o entendimento espiritual daquilo que se lê e assim, Deus fala, as vezes de forma bem particular. Não estamos falando aqui de inventar doutrinas em nome da “revelação”, pois tudo que aparece deve ser provado pela própria Bíblia.
Contudo, termino com a palavra do Rev. Augustus Nicodemus que fala a respeito dessa má (e tendenciosa) interpretação de “a letra mata...” como “desculpa de quem não tem nem argumento e nem exemplo para dar”.
A Paz de nosso Senhor Jesus!
Para ler mais sobre o tema, sugiro:
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