domingo, 28 de junho de 2015

Trabalho de Hermenêutica (Gabriel F. M. Rocha)



Exercício 1:

·         Como se harmonizam os textos de Paulo e Tiago, dizendo um: “[...] concluímos, pois que o homem é justificado pela fé, independente das obras da lei”. E outro: “[...] verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente”.


Desenvolvimento do exercício:


1)    Contexto geral da frase escrita por Paulo em Romanos 3. 28:

             Paulo, em todo o contexto do capítulo 3 (desdobrando o tema também nos capítulos posteriores), fala a respeito da justificação pela fé. A abordagem desse assunto parte da tentativa de refutar a antiga noção israelita de meritocracia e exclusivismo através da guarda da Lei[1]. Paulo, portanto, estava – em todo o contexto – explicando que, a justificação (perdão dos pecados e aceitação diante de Deus) viria não pela posse ou pelas obras da lei[2] (a guarda da lei), pois, como afirma Paulo, não há acepção de pessoas. Por que não há? Por que não há nenhuma vantagem em guardar a Lei, pois, “[...] não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram e se fizeram inúteis...”[3]. Portanto, a lei apenas mostra ao homem (e especialmente mostrava ao judeu) sua incapacidade de se auto-justificar por ela, pois, simplesmente não consegue tal feito. Contudo, Paulo mostra que “[...] sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que crêem [...] sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus [...] mediante a fé, para manifestar a sua justiça [...]”[4].


2)    O objetivo de Paulo ao escrever a seguinte frase: “[...] concluímos, pois que o homem é justificado pela fé, independente das obras da lei”:
      Paulo, portanto, queria dizer que:

A)   Embora os judeus tivessem em mãos e Lei, não havia alguma acepção de pessoas (2. 11- 15);
B)   Todos, sem exceção, pecaram e foram afastados da glória de Deus (3. 12);
C)    E que, sem lei, manifestou a justiça (ou justificação) pela graça, mediante a fé em Jesus Cristo. Portanto, o homem é justificado sem alguma “obra extra” ou “ajuda”, sendo a justificação suficiente em si através da fé. Desse modo, a idéia de mérito (pelas obras) é superada.

            Assim, ao falar que a justificação se dá somente pela fé, Paulo não está dizendo que as nossas obras são logo invalidadas. Tanto é verdade isso que, em Rm 314, ele justifica que alguns gentios que andaram “em conformidade com a lei”, mostraram a obediência à vontade divina tendo a lei “gravada no coração”. Portanto, considerando que a parte extinta da lei se refere apenas à cerimonial (ou religiosa), pois essa foi cumprida em Cristo, ainda está mantida a face objetiva da lei os benefícios da ação (intersubjetiva) da lei, a saber, o conteúdo moral e alguns aspectos da lei civil. Portanto, “as obras da lei” não estão sendo refutadas por Paulo em sua afirmação em Rm 3. 28, mas ele apenas quer mostrar que o ato da justificação se dá suficientemente em Cristo mediante nossa fé em Jesus Cristo.

3)    A frase de Tiago (Tg 2. 24):


            A frase de Tiago, por sua vez, não está em desacordo (ou desarmonia) com a frase paulina conforme a análise acima. Tiago diz: “[...] Verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente[5]. Há uma harmonia implícita. Vejamos:

1)    É necessário fazer primeiro uma análise textual:

             Várias vezes em sua carta, Tiago usa o verbo “justificar”. Pois bem, o verbo aparece em Tg 2. 21e 2. 24,25 do mesmo modo que aparece em Rm 3. 28. O termo grego para “justificar” ou “justificação” é “dikaioo” que remete à idéia de: justiça, retidão, tornar alguém justo, considerar alguém justo, ser justo, absolver, inocentar, e livrar de uma possível condenação. Note que no contexto paulino (Rm 3. 28), a “justificação” (que é somente pela fé) aparece no sentido de “inocentar”, “absolver”, “livrar de uma condenação” e, sobretudo, “tornar alguém justo”. Mas, Tiago em sua carta, usa o termo em total harmonia com o próprio contexto da frase. O que o contexto de Tiago cap. 2 informa? Resumidamente, Tiago está falando a respeito da necessidade das obras como evidência intrínseca da fé. Como se prova isso? Veja que desde o início de sua carata, Tiago trata de questões que envolvem postura moral, espiritual e religiosa (1. 4- 11; 1. 14-27/ 2. 1-13). Após tais advertências, ele rapidamente liga sua fala à questão da necessidade de se evidenciar as “boas obras” como evidência e “prova” da própria fé. Veja em Tg 2. 14-23. Portanto, Tiago está querendo mostrar que, a fé é meio para a justificação com Deus (pois aceita a dádiva da fé e a suficiência da fé em 1. 3; 1. 6; 2. 1; 2. 5), mas, discorre sua fala ao mostrar que a nossa fé deve pressupor as boas obras. “Boas obras” aqui não num sentido sinergista (participação humana na própria justificação e salvação), mas no sentido de “obras como extensão intersubjetiva (ou visível) da fé”. A fé subjetiva (fé para mim mesmo) é insustentável, pois, nas afirmações de Tiago, a fé é necessariamente desdobrada em boas obras. Que boas obras? Boas atitudes que evidenciam a genuína fé e a genuína religião (Tg 1. 22- 27).
            Portanto, não existe contradição entre Paulo e Tiago. Pelo contrário: é fácil enxergar a harmonia entre ambos.  O termo “justificado” em G 2. 24 é o mesmo usado por Paulo em Rm 3. 28, mas não tem uma conotação semelhante. É totalmente aceitável que Tiago tenha usado “dikaioo” (justificado) para definir “justo” como um tipo de reconhecimento. Justiça é uma virtude e virtude só se torna virtude quando é reconhecida e aplicada em relação ao outro. Como se reconhece um justo? Pelos atos de justiça, pelos atos virtuosos. Isso corrobora em tudo com o contexto explicativo de Tiago. O termo “justificado” no original também dá a idéia de “ser justo”. Ou seja, “o homem é justo (ou se mostra justo) pelas obras...”. “E não somente a fé”. O “somente” aqui não supõe a insuficiência da fé (o que poderia, de fato, entrar em contradição com Paulo), mas transmite a idéia de que: ninguém pode se dizer justificado por simplesmente professar a fé (falar que tem fé)[6], pois a verdadeira fé se mostra (se prova) pelas obras e pelos frutos. A fé verdadeira necessariamente produz seus frutos. Frutos que se mostram nas obras do genuíno cristão. Quem é o genuíno cristão? Aquele que foi justificado por sua fé em Jesus Cristo.


Termino o primeiro exercício citando a CFW (Confissão de Fé de Westminster) XI, I e II:

I. Os que Deus chama eficazmente, também livremente justifica. Esta justificação não consiste em Deus infundir neles a justiça, mas em perdoar os seus pecados e em considerar e aceitar as suas pessoas como justas. Deus não os justifica em razão de qualquer coisa neles operada ou por eles feita, mas somente em consideração da obra de Cristo; não lhes imputando como justiça a própria fé, o ato de crer ou qualquer outro ato de obediência evangélica, mas imputando-lhes a obediência e a satisfação de Cristo, quando eles o recebem e se firmam nele pela fé, que não têm de si mesmos, mas que é dom de Deus.

Rom. 8:30 e 3:24, 27-28; II Cor. 5:19, 21; Tito 3:5-7; Ef. 1:7; Jer. 23:6; João 1:12 e 6:44-45; At. 10:43-44; Fil. 1:20; Ef. 2:8.

II. A fé, assim recebendo e assim se firmando em Cristo e na justiça dele, é o único instrumento de justificação; ela, contudo não está sozinha na pessoa justificada, mas sempre anda acompanhada de todas as outras graças salvadoras; não é uma fé morta, mas obra por amor.

João 3:16, 18, 36; Rom. 3:28, e 5: I; Tiago 2:17, 22, 26; Gal. 5:6.


Exercício 2:

·         Como se explica a afirmação de João de que o cristão não pode pecar (1Jo 3. 9)?

            João inicia o capítulo dizendo que nós fomos feitos “filhos de Deus”[7]. Por isso “o mundo não nos conhece, porquanto não conheceu a ele”. Essas duas afirmações é quem vão definir a ideia da frase de 1Jo 3. 9.
            Se nós somos filhos de Deus e Deus é Santo, como filhos nós não podemos continuar em pecado. Há uma sutil diferença em “nunca pecar” e “não estar (ou andar) em pecado”. João em momento nenhum se contradiz ou faz alguma confusão quando afirma em 1. 8 que somos seres de pecados e, “[...] se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos...”. Mesmo que logo ele afirme que “todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado” (3. 9). Por quê?

1)    Porque na carta admite-se que todos são pecadores quando a mesma afirma que, pelo sangue de Jesus, somos purificados de todo o pecado. “[...] o sangue [...] purifica” está aplicado no original não no sentido de “uma vez nos purificou para jamais pecar novamente” (embora a proposta do Evangelho seja mesmo essa). Mas, João  transmite a idéia de uma continuidade, pois o pecado é ainda parte da própria estrutura corruptível da humanidade. Além disso, em 2. 1é advertido a não pecar, mas, “se todavia alguém pecar, temos um Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo”[8] e seu sangue nos purifica te todo o pecado quando confessamos[9]. Portanto, em lugar nenhum João está afirmando que estamos livre de todo o pecado, sendo altamente fatal cometer uma falha qualquer.
2)    João está dizendo que: sendo nós filhos de um Deus santo, não podemos andar, praticar, cometer deliberadamente o pecado, pois somos nascidos de Deus, portanto: todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado [...] este não pode viver pecando, porque é nascido de Deus”. Não há a idéia falsa de que jamais podemos pecar, pois contrariaria a própria condição humana e, a perfeição pessoal, alcançaremos ainda em glória. Mas, a idéia é: devemos buscar a santidade a fim de não cometer nenhum pecado. Como explica João: não podemos permanecer pecando, pois não seríamos filhos de Deus, mas sim do diabo[10].


Perguntas:

1)    Pergunta 1:

·         A parábola do trigo e do joio (Mateus 13. 25-30) parece ensinar que o erro dentro da igreja não deve ser julgado pelo receio de arrancar “também com ele o trigo”. como você conciliaria este ponto como evidente ensino de Mateus 7. 15-20, Tito 3. 10 e outros versículos que parecem ensinar que a igreja deve julgar o mal e o erro em seu meio?

Resposta:

           Para iniciar a resposta, deve-se postular o seguinte: o campo é o mundo inteiro, não somente Israel ou a igreja. Não poderia haver um julgamento imediato por parte de Deus, por consideração aos seus eleitos pelo mundo. Alé disso, há um tempo determinado para isso. Antes, deve haver os frutos entre os fieis (ao mesmo tempo em que o mundo também dá seus frutos ruins, pois foram lançados pelo diabo). Por último, o “lançar ao fogo” pertence a Deus e não a nós. Diante dessa prévia análise, não sei se a parábola fala propriamente de julgar erros dentro das igrejas, embora se encaixe bem com essa ideia. O certo é que os justos têm vivido entre os injustos desde os primórdios da humanidade.
           Mas, considerando a idéia central da parábola (a “moral” da história), sabemos que os pecadores e injustos não poderão ser “recolhidos” e “lançados no fogo” agora. Há um tempo determinado para a “colheita”.
            Porém, considerando que o texto trate também a respeito de pecados e pecadores dentro da igreja (o que de fato existe), podemos conciliar com outras afirmativas, como a de Mt 7. 15-20.

A)   Primeiro:

           Há uma diferença de advertência em ambos os textos. Mt 13. 25-30 trata da perspectiva de Deus em relação ao seu trato final com aqueles que são pecadores e que se “parecem” ou se “misturam” com os crentes (perceba que joio e trigo têm certa semelhança). A parábola está falando de quê? Do reino. Do reino de quem? De Deus. Portanto, a perspectiva de Deus quanto à retirada definitiva do pecado é que é tratada na parábola. Lembremos que: mesmo que todos os crentes fieis julguem segundo a reta justiça (Jo 7. 24) e denunciem todos os erros, pecados e enganadores (Mt 7. 15-20), até o dia da Volta de Cristo esses ainda estarão entre os santos. Veja as advertências de Cristo às sete igrejas da Ásia (Ap 2. 1-28 a 3. 1-22). Erros e acertos sempre existirão dentro das igrejas, mas caberá sempre à própria igreja “consertar” tais erros, julgando e refutando todas as obras erradas entre eles.
           Portanto, o ato de julgamento da igreja (segundo a reta justiça e em obediência a Mt 7. 15-20) deverá existir constantemente como uma das tarefas específicas da Igreja. Contudo, a “arrancada definitiva’ (idéia da parábola do joio e do trigo) só acontecerá no juízo final com a ação poderosa do próprio Juiz (Deus). Concluindo: são perspectivas diferentes. A primeira remete à ação do próprio Deus no estabelecimento definitivo de seu reino, arrancando todo fruto ruim (e em todo o contexto Jesus fala sobre como é e como será o reino de Deus) e a segunda fala da ação da própria igreja em cautela para não ser contaminada com os enganadores e falsos crentes, buscando conhecer, desde já, os frutos de cada um.

B)   Segundo:

           Em Tito 3. 10 há a seguinte advertência de Paulo: “Evita o homem faccioso, depois de admoestá-lo primeira e segunda vez [...]”. Essa frase corrobora em tudo com outra frase paulina: “[..] Evita, de igual modo, os falatórios inúteis e profanos...” (2 Tm 2. 16). Note que o contexto dessa frase é de admoestação em relação aos falsos crentes e doutrinas, ou seja, é necessário evitar tudo e todos dentro das igrejas quando se tratam de erros, falsas doutrinas, falsos crentes, pecados, etc.

2)    Pergunta 2:

·         Um cristão perdeu o emprego durante a recessão de 1974-75. Ele e a esposa interpretaram Romanos 8. 28 (“Todas as coisas cooperam para o bem”), no sentido de que ele perdeu o emprego a fim de que Deus pudesse dar-lhe um mais bem remunerado. Conseqüentemente ele rejeitou diversas oportunidades de emprego de remuneração inferior ou igual a que ele tinha, e permaneceu na condição de desempregado por mais de dois anos antes de voltar ao trabalho. Concorda você com a interpretação que ele deu a esse versículo? Por que sim ou por que não?

Resposta:

            Não concordo! Por que não concordo? Porque o contexto da frase de Rm 8. 28 não se trata – exatamente – de uma cooperação no sentido aplicado pelo rapaz. Explico: o contexto de Romanos 8, desde o versículo 1, trata a respeito da segurança do crente em relação à sua salvação em Cristo e da vida espiritual em detrimento da vida carnal (veja em: Rm 8. 1-11/ Rm 8. 26 -39). Paulo transmite que fomos reconciliados para vivermos, agora, em espírito, pois somos de Cristo. E, estando em Cristo, venceremos com Ele e perseveraremos até o fim. Portanto, mesmo com as adversidades carnais, temporais, circunstanciais, etc. a morte e a condenação poderá nos tragar e, mesmo que tente, o Espírito Santo intercede por nós em nossa fraqueza e, nesse contexto e nessa idéia, é que Paulo escreve: “[...] todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus...”. Quem são os que amam? Os que “são chamados segundo o seu propósito” (v. 28). O propósito de Deus pode ser contrariado? Não! (veja em Rm 8. 30-39) Seremos conservados em Cristo. Portanto, todas as coisas, mediante a intercessão do Espírito Santo, cooperarão para o nosso bem a fim de que não venhamos ser tragados pela derrota, pois, se não fosse a intercessão do Espírito Santo de Deus, não perseveraríamos e cairíamos derrotados pela carne e pelo pecado.Portanto, o cristão desempregado fez uma leitura radical de Rm 8. 28.

            O versículo poderia, de algum modo, sugerir uma cooperação de Deus para o bem (em vários sentidos) de cada cristão? Sim! Mas isso não é uma regra, pois, embora nós crentes tenhamos a certeza do cuidado de Deus e da vitória em Cristo, podemos também padecer faltas, carências e decréscimos nesta vida. E, mesmo assim, tais “infelicidades” não implicariam numa não-cooperação divina, pois, como disse o próprio Paulo:


“[...] já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece”.[11]



 Gabriel Felipe M. Rocha










 Gabriel F. M. Rocha é presbiteriano, formado em História (licenciatura e bacharelado), pós-graduado em Sociologia; mestrando em Filosofia (Ética e Antropologia), professor e pesquisador/ professor de História da Igreja pela Oitava Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte.




[1] Rm 2. 12-29; 3. 1-20.
[2] Rm 2. 11; 2. 12-16.
[3] Rm 3. 11,12.
[4] Rm 3. 21-25.
[5] Tg 2. 24.
[6] Tg 2. 17-23.
[7] 1Jo 3.1.
[8] 1Jo 2. 1.
[9] 1Jo 1. 7.
[10] 1Jo 3.8.
[11] Fp 4. 11-13.

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