O método alegórico nas pregações
Hoje li uma postagem em determinada rede social onde uma
citada igreja é atacada por utilizar com freqüência o método alegórico, assim
como os métodos que envolvem tipologias, simbologias, analogias e também a
forma literal para desenvolver uma pregação à congregação com base no textos
bíblicos. Na postagem dizia-se assim:
“A (igreja em questão) tem sua própria interpretação da Bíblia,
obedecendo a um modelo que a liderança criou. Eles chamam essa interpretação de
“revelação” bíblica, como se fosse algo novo, divino, inspirado, especial. Mas não
existe nada de especial nisso. O que eles fazem,
muitas vezes, nada mais é do que a alegorizaçao das escrituras. O que é
alegorizaçao? Alegorizar é procurar algum significado oculto no texto. É como
se o sentido literal fosse apenas uma superfície de um terreno, que devemos
escavar até encontrarmos outros significados, que muitas vezes estão
dissociados do verdadeiro sentido. Essa era uma pratica comum entre os gregos
antigos e que foi reconhecida como uma maneira errada de se entender a Bíblia”.
Bem, primeiro
corrigi a pessoa que postou isso dizendo que determinada igreja não tem esse
método (ou modelo) como único meio de interpretar a Bíblia e nem único modelo
de pregação ou sermão. A generalização foi doentia e sem fundamento. Mas deixei
minha opinão.
Na oportunidade que tive de entrar para a área acadêmica como
mestrando em Filosofia e ter que manusear alguns textos filosóficos (clássicos),
eu pude constatar que a ‘alegorização’ é
um método, assim como outros, que alguns textos incitam por si próprios e vemos,
de igual modo, na Bíblia alguns textos que incitam uma busca hermenêutica maior
(mais profunda) tornando apto o uso de alguns métodos como alegoria, tipologia,
analogia, simbolismo, exegese, etc. Assim como a própria Bíblia é repleta de
textos que, na forma literal, você já tem a informação e a definição. Primeiro
temos que definir o seguinte: no caso da citada igreja, vemos que o erro ali é
a sistematização e o uso indiscriminado de um método no qual chamamos aqui
"alegoria". Porém discordei quanto ao fato de afirmar que tal igreja
usa apenas esse método, sendo que já ouvi ali muitas mensagens levadas à luz de
outros métodos. Eu mesmo (por costume) faço o uso de métodos mais próximos
possíveis do literal para não correr algum risco. Outro erro é dizer que tal
alegoria, tipologia, etc. é "revelação" e está "além da
letra". Isso pode ser realmente perigoso, embora eu creio que haja sim uma
iluminação do Espírito Santo no uso e no manejo das Escrituras. Aliás, se
afirmamos que ela é a Palavra de Deus, logo, Deus fala por intermédio de seu
Espírito pela Bíblia (que é um livro de caráter profético, além de simplesmente
histórico ou legalista). Portanto, alegoria é um método assim como tantos
outros e sendo usado tendo em vista o contexto real daquilo que está sendo
pregado, não pode oferecer malefício algum. O erro está exatamente na
sistematização cega de símbolos, tipos e alegorias como certa vez foi elaborado
pela igreja em questão. Mas, independente do erro da citada igreja, não se
anula o fato de tais métodos serem úteis para a compreensão, para o ensino e a exposição
de um sermão baseado em exemplos e situações selecionadas nos textos bíblicos.
A Bíblia como um livro
que transcende o histórico e o literal, e também não se resume apenas num
conjunto de "regras" e normas (pois aí configura o legalismo e
fundamentalismo extremo) pode ser entendida tanto com métodos interpretativos
diversos, como também pode ser 'iluminada' pelo Espírito Santo que tende a
mostrar, iluminar, esclarecer ou revelar o projeto salvífico implícito nela,
uma vez que cremos que ela, a Bíblia, é a Palavra de Deus. E quem é a Palavra
de Deus? Jesus, o Verbo. Ele é (e deve ser) a única chave hermenêutica para o entendimento
da Bíblia, pois ela testifica d´Ele. E se Cristo é vivo e a Bíblia revela o
Cristo vivo e glorificado, logo ela é profética e deve ser, nessa perspectiva,
discernida espiritualmente (isso não anula o fato de usarmos os métodos
hermenêuticos presentes na qual a alegoria faz parte). Se Jesus e o projeto de
redenção do pai estão implícitos na Bíblia, é o Espírito Santo na sua função
mediadora quem pode (se darmos lugar) iluminar a mensagem bíblica de caráter
profético. Em João 14, o Esp. Santo é tido como "O Consolador" (do
grego 'parákletos') que significa exatamente "estar ao lado",
"advogado", "intercessor". Logo, no mesmo contexto bíblico,
João descreve conforme as Palavras de Cristo que esse Consolador "vos
ensinará todas as coisas...". O verbo ensinar aparece ali como 'didatikos' cuja raiz gramatical está
estreitamente ligada ao termo grego "dogmatizô"
que pode ser traduzido por "doutrina".
Sendo dessa forma e segundo esse horizonte hermenêutico, é o Esp. Santo quem
revela e ensina a Igreja a praticar a sã doutrina. O que é a sã doutrina? Um
conjunto sistematizado de regras e normas? Alguém poderia dizer qual foi a
'doutrina' que Jesus Cristo nos deixou de forma sistematizada? O fato é que
Jesus não deixou um conjunto de regras, aliás, Ele veio cumprir toda a
legalidade e proclamar a graça ao invés de instituir outra Lei. A doutrina
cristã (ou as doutrinas cristãs) foram todas sistematizadas pelos apóstolos,
inclusive, Paulo foi um grande ‘sistematizador’ da doutrina cristã. Tanto que,
em Atos dos Apóstolos, a doutrina cristã é chamada de "doutrina dos
apóstolos". Ali imperava, de fato, a operação do Espírito Santo na
consolidação do projeto salvífico e nesse contexto é que as doutrinas foram
surgidas. Logo, se há ainda hoje a operação do Esp. Santo, o batismo e o uso
dos dons espirituais, a doutrina ainda é aperfeiçoada na perspectiva prática.
Lógico que isso não significa dizer que o mesmo Espírito "revela"
algo "novo", tampouco um "outro evangelho". Aí entra a
importância dos métodos hermenêuticos na interpretação e da iluminação do
Consolador Espírito Santo, pois a Bíblia é para o crente não uma
"regra" de fé (no sentido legalista da palavra), mas sim "modelo”
de fé e conduta, 'norteadora da igreja' e referência literária única e
insubstituível.
Portanto nenhum aspecto
pode vir como "algo novo" nem “algo a mais” se não tiver um
embasamento bíblico (não falo do fundamentalismo). Toda 'revelação', assim como
todo 'dom espiritual' no seio da igreja deve ter respaldo bíblico e nunca
ultrapassar a sã doutrina de Cristo. Logo, usar métodos como alegorias,
analogias, tipologias etc. para anunciar a verdade bíblica e a sã doutrina de
Cristo (que se resume em: amor a Deus e ao próximo, proclamação do Reino e
anúncio da vinda de cristo e do juízo divino) é totalmente saudável. Porém é
saudável quando não há a deturpação do contexto bíblico e nem invenções fajutas
corroboradas por alegorias dúbias. Mas, contudo, a própria Bíblia é repleta de
alegorias a serem interpretadas, assim como tipologias e analogias diversas. O
que dizer de Apocalipse? Interpretaremos tal livro de forma literal? Creremos
então em dragões, cavalos voadores e bestas estranhas? Será que o livro de
cantares está limitado apenas à mensagem conjugal de cunho extremamente íntimo?
Será que se não lançarmos mão da analogia e das alegorias poderemos interpretar
seguramente as profecias de Daniel? O que dizer das parábolas do Mestre? Porque
o Cristo ensinava com símbolos? Porque curou três cegos de forma diferente?
Qual era o ensinamento contido nesses atos? Seria ali um convite à reflexão ou
uma incitação pela busca de algo ainda mais profundo, além ou oculto? O que o
sangue nas vergas das portas queria nos ensinar? O que Paulo queria nos dizer
quando afirmara que devemos correr como os que correm nos estádios em busca da “coroa”?
Será que cada item da “armadura de Deus” (Efésios 6) tem algo a mais para nos
oferecer? Essas são as perguntas que não podemos ignorar.
A religião cristã tem
sua superioridade em evidência exatamente por ser a mais racional em relação às
outras religiões. Existe, como escreveu Jean Ladrière em sua obra “A fé e o
destino da razão”/ capítulo IV: “fé e racionalidade”, uma racionalidade na fé.
Muitas vezes essa racionalidade não pode ser facilmente captada no imediato. As
curas e os sinais operados por Cristo eram imediatos, mas ali o Mestre deixava
algo oculto para a sua igreja desvendar tendo em mãos a chave da revelação
(como aquela dada a Pedro quando teve uma revelação dos céus). Portanto, há a
necessidade da iluminação espiritual.
Essa foi só uma
contribuição singela aos irmãos e amigos. Paz a todos!!!
Gabriel Felipe M. Rocha
Graduado em História (licenciatura e
bacharelado);
Pós graduado em Sociologia (lato
sensu)/ Sociologia da Educação;
Bacharel em Teologia (ênfase em
História da Igreja);
Mestrando em Filosofia (campo de
estudo: Ética e Antropologia).
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