Análise
apologética de João 1: 11
(por Gabriel F. M.
Rocha)
Hoje
eu comecei a leitura e o estudo sistemático do Evangelho de João. No entanto, a
riqueza desse Evangelho é algo que causa admiração, inspiração, confronto e
espanto. Dessa forma, o estado de contemplação e reflexão não permitem uma
leitura rápida e corrida.
No início do primeiro capítulo já existe
uma questão que envolve a questão sinergista e monergista. (sinergistas, em grosso
modo, são os que acreditam que a salvação é alcançada pela participação do
homem, ou seja: Deus salva, mas o homem é quem decide. Para os sinergistas, a
salvação pode ser perdida tão facilmente se o homem (figura central) escolher
não querer se salvar. Monergistas já são os que acreditam que a salvação é obra
soberana e exclusiva de Deus, cuja graça é irresistível. Para o monergista,
existe a segurança da salvação através da obra redentora, regeneradoa e
remidora do Espírito Santo. Os exemplos mais comuns de sinergismo e monergismo
no protestantismo são os arminianos/ sinergistas e calvinistas/monergistas).
Veja em João 1: 11 - “Veio para o
que era seu, e os seus não o receberam”.
Para os arminianos e pentecostais em
geral, esse versículo é ponto de apoio argumentativo para defender que o homem
escolhe ou não sers alvo. Ou seja, se “aceita” ou “rejeita” a graça divina
mediante a obra salvífica de Jesus Cristo. Qual é o argumento? Para os tais,
Jesus veio “para os que eram seus”, mas os seus não o receberam, ou seja, “negaram”
a salvação.
Essa argumentação não tem sentido se
considerarmos o contexto da introdução do Evangelho de João e os termos utilizados
no original (grego koinê).
No contexto, João descreve o seguinte:
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava
com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens” (João 1:1-4)
Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens” (João 1:1-4)
Pois
bem, no início do Evangelho (versículos 1 ao 4), João narra que o Cristo de
quem ele falava era o próprio Deus. Aliás, Jesus Cristo como o humano-divino é
característica central do referido Evangelho. Nesses versículos iniciais, a
narração explica categoricamente que tudo que existe foi por obra do Verbo (logos). Deus fez tudo pelo poder de sua
Palavra. Jesus é a Palavra (apocalipse 19: 13). Ele é o verbo da Criação. Ele é
o princípio (causador da obra criadora) e fim (consumador da obra redentora) “Sem
ele, nada que existe poderia ter sido criado” (v. 3). Portanto, a partir dessa
análise inicial, percebemos que: Jesus veio para sua criação. O verso 11 não
explicita exatamente pessoas, mas sim coisas.
João, originalmente, escreveu os dois pronomes no plural. E também se
deixou de refletir o gênero destes pronomes o qual amplia um pouco o
significado deste trecho. João, como no idioma português, teve o recurso do
masculino, feminino e ainda mais um, a saber; o neutro (algo parecido com isso,
isto, tanto, quanto, tão, tal, etc). Temos que determinar o significado
atribuído para este vocábulo grego, ιδιος para o qual temos várias palavras
portuguesas “idioma, idiopatia, etc. Este vocábulo grego encontra-se 113 vezes
no Novo Testamento. A maioria das vezes os tradutores o traduziram como “seu(s)
sua(s)” (32 vezes); ou “próprio(s) própria(s)” (51 vezes) na Bíblia em português.
Então, o significado propriamente dito, seria “…o que é seu ou o que é seu próprio”. Assim indicando o domínio de
algo que pertence a palavra em si. As palavras “seu/sua” são pronomes
possessivos que refletem perfeitamente este significado. O outro vocábulo
“próprio” também demonstra domínio, como “a quem pertence a”.
Sendo
dessa forma, João fala que Jesus veio para sua criação e sua criação não o
recebeu. Isso, num sentido geral que pode se expandir para: Jesus veio para
suas coisas, sua obra criada, mas essa não a conheceu/ ou recebeu. Isso implica os não salvos, Israel como nação
(que rejeitou a Cristo) e os líderes religiosos e doutores da Lei que não
discerniram sua vinda. Mas os que eram seus o receberam.
Em sua primeira carta, João mesmo
descreve que: “[...] todo o mundo está no maligno. (1 João 5:19).
Essa afirmação dá tão logo a ideia de uma separação definida. O mundo jaz no
maligno. Toda a humanidade é imanente, ou seja, é parte do mundo. Logo, toda
humanidade, assim como toda criação está sob juízo divino. No entanto, os que
pertencem a Cristo (comprados pelo sangue) o receberam, pois Deus deu toda a
condição para que essa obra (eterna) fosse concluída no plano terreno.
Portanto,
Jesus veio para iniciar a obra redentora aqui no mundo, mas não para o mundo,
pois esse está já sob o juízo divino por estar no maligno. Jesus veio para os
eleitos.
“Mas, a
todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos
que crêem no seu nome” (João 1:12).
Mas o mundo e os que não puderam receber a
Cristo simplesmente não o discerniram. Jesus não se revelou a todos, como
ensinam alguns. Jesus foi rejeitado como homem, mas não como Deus. Como Deus
(em revelação), Jesus jamais seria rejeitado, pois a revelação (como resultado
da graça divina) faz com que o chamado se torne irresistível. Como um mortal
(cuja alma anseia pela satisfação por algo superior que lhe dê sentido e
realização) pode rejeitar um Deus soberano em graça, paz, perdão e amor?
Em João 1: 11, a única possibilidade que existe
para dizer que o homem pôde rejeitar a Cristo é aceitar que os tais não
reconheceram a Cristo como Deus, pois este não se revelou a eles, como se
revelou a alguns. A multidão não andava também com Cristo? Não o ouvia? Não o
seguia e via milagres? Pois então, quando a teologia desse Cristo foi dada com
toda ênfase no mistério de sua futura Aliança (carne e sangue), a multidão o
abandonou raivosa e duvidosa, pois não discerniram o Cristo (João 6: 66). Mas
os que ficaram com Cristo, ficaram porque eram de Jesus Cristo (pertenciam a
Ele) pela graça de Deus e pela soberana eleição desse mesmo Deus:
“[...] ninguém
pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido” (João 6:65).
Os eleitos e verdadeiros remidos por
Cristo conhecem a Cristo e discernem o mesmo por obra do Espírito Santo: “Naquele dia
conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós” (João 14: 20). Assim,
ordenando estão a conhecerem e a receberem esse Deus: “E nós temos crido e conhecido
que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente” (João 6:69). Portanto, os que
eram seus o receberam e foram chamados filhos de Deus (João 1:12).
Partindo dessa análise, concluo dizendo
que: o homem não tem participação em sua salvação, pois essa se dá no plano
eterno. Vem de Deus para que, assim, ninguém se glorie nela (Efésios 2:8)
acreditando ser o responsável em “aceitá-la” ou “rejeitá-la”, fazendo com que a
graça de Deus torne-se em meritocracia. A livre vontade (limitada) do homem
cristão se dá em plena conformidade com a ordenação divina. A salvação não
pertence a todos, assim como a fé não é de todos.
Jesus, portanto, veio para aquilo que
era sua criatura (homem) para assim pregar seu juízo (para os que são do juízo)
e remissão (para aqueles a quem o Pai quis remir). Veio para o seu mundo criado
(kosmos) e para seu povo étnico (Israel).
Esses (de forma geral) não o receberam. Muitos individualmente sim.
Como saber se eu, de fato, o recebi? Examinando a si mesmo e percebendo se há ou
não um altar para Deus em seu coração. Como isso se evidencia? Pela obediência
(Rm 1: 15), pela disposição a servir (Fp 3:3), pela fé (1Cor 16: 13), pelas
obras da fé (Tg 2: 18), pelos frutos do Espírito Santo (Gl 5:22) e tantas
outras evidências em nossa existência que testificam que Cristo habita em nós e
que, de fato, já morremos com Cristo e novas criaturas somos ( Gl 2: 20).
E o estudo continua!
Observação:
o início do Evangelho de João com a famosa frase "no princípio era o Verbo
[en arqué ó Logos]" tem uma significação interessantíssima. A filosofia
grega era bastante conhecida naquela região e, os judeus que tinham uma cultura
acima da maioria da população, conhecia e era influenciado por ela.
Principalmente por estarem ali sob o domínio romano que, trazia em sua cultura,
sociedade e política os conceitos clássicos da Grécia. Havia uma importante
discussão naquele tempo (iniciada a bastante tempo antes de Cristo e famosa nas
palavras de Sócrates, Platão e Aristóteles) sobre como alcançar ou contemplar o
Bem (que poderia ser Deus). A grosso modo e bem sucinto aqui, a definição era a
de que apenas pelo Logos, poderíamos contemplar a Verdade, o Bem, o Bom, o Uno
e o Belo, ou seja, chegar à verdade do Ser, contemplar o Ser. Fora do Logos
(que influenciava a ação do sujeito ético), não havia possibilidade de se
conhecer a verdade e nem de ser livre. João quando inicia o seu Evangelho
falando que no principio era o Logos e o Logos era Deus e estava com Deus
(falando de Cristo), mostrava que Jesus (a revelação desse Logos/ revelação de
Deus) havia já vindo e que o mundo não pôde conhecer a luz (revelação) da
Verdade, mas apenas os que eram da luz puderam conhecer a luz e contemplar a
Verdade e o Sumo Bem (Deus). Não inclui a presente informação na análise, pois
tem uma abordagem diferente.
Gabriel F. M.
Rocha
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