sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Análise apologética de João 1: 11

Análise apologética de João 1: 11

 (por Gabriel F. M. Rocha)

     Hoje eu comecei a leitura e o estudo sistemático do Evangelho de João. No entanto, a riqueza desse Evangelho é algo que causa admiração, inspiração, confronto e espanto. Dessa forma, o estado de contemplação e reflexão não permitem uma leitura rápida e corrida.

     No início do primeiro capítulo já existe uma questão que envolve a questão sinergista e monergista. (sinergistas, em grosso modo, são os que acreditam que a salvação é alcançada pela participação do homem, ou seja: Deus salva, mas o homem é quem decide. Para os sinergistas, a salvação pode ser perdida tão facilmente se o homem (figura central) escolher não querer se salvar. Monergistas já são os que acreditam que a salvação é obra soberana e exclusiva de Deus, cuja graça é irresistível. Para o monergista, existe a segurança da salvação através da obra redentora, regeneradoa e remidora do Espírito Santo. Os exemplos mais comuns de sinergismo e monergismo no protestantismo são os arminianos/ sinergistas e calvinistas/monergistas).

     Veja em João 1: 11 - Veio para o que era seu, e os seus não o receberam”.

     Para os arminianos e pentecostais em geral, esse versículo é ponto de apoio argumentativo para defender que o homem escolhe ou não sers alvo. Ou seja, se “aceita” ou “rejeita” a graça divina mediante a obra salvífica de Jesus Cristo. Qual é o argumento? Para os tais, Jesus veio “para os que eram seus”, mas os seus não o receberam, ou seja, “negaram” a salvação.

     Essa argumentação não tem sentido se considerarmos o contexto da introdução do Evangelho de João e os termos utilizados no original (grego koinê).
     No contexto, João descreve o seguinte:

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.
Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens
 (João 1:1-4)

       Pois bem, no início do Evangelho (versículos 1 ao 4), João narra que o Cristo de quem ele falava era o próprio Deus. Aliás, Jesus Cristo como o humano-divino é característica central do referido Evangelho. Nesses versículos iniciais, a narração explica categoricamente que tudo que existe foi por obra do Verbo (logos). Deus fez tudo pelo poder de sua Palavra. Jesus é a Palavra (apocalipse 19: 13). Ele é o verbo da Criação. Ele é o princípio (causador da obra criadora) e fim (consumador da obra redentora) “Sem ele, nada que existe poderia ter sido criado” (v. 3). Portanto, a partir dessa análise inicial, percebemos que: Jesus veio para sua criação. O verso 11 não explicita exatamente pessoas, mas sim coisas.  João, originalmente, escreveu os dois pronomes no plural. E também se deixou de refletir o gênero destes pronomes o qual amplia um pouco o significado deste trecho. João, como no idioma português, teve o recurso do masculino, feminino e ainda mais um, a saber; o neutro (algo parecido com isso, isto, tanto, quanto, tão, tal, etc). Temos que determinar o significado atribuído para este vocábulo grego, ιδιος para o qual temos várias palavras portuguesas “idioma, idiopatia, etc. Este vocábulo grego encontra-se 113 vezes no Novo Testamento. A maioria das vezes os tradutores o traduziram como “seu(s) sua(s)” (32 vezes); ou “próprio(s) própria(s)” (51 vezes) na Bíblia em português. Então, o significado propriamente dito, seria “…o que é seu ou o que é seu próprio”. Assim indicando o domínio de algo que pertence a palavra em si. As palavras “seu/sua” são pronomes possessivos que refletem perfeitamente este significado. O outro vocábulo “próprio” também demonstra domínio, como “a quem pertence a”.

       Sendo dessa forma, João fala que Jesus veio para sua criação e sua criação não o recebeu. Isso, num sentido geral que pode se expandir para: Jesus veio para suas coisas, sua obra criada, mas essa não a conheceu/ ou recebeu.  Isso implica os não salvos, Israel como nação (que rejeitou a Cristo) e os líderes religiosos e doutores da Lei que não discerniram sua vinda. Mas os que eram seus o receberam.

        Em sua primeira carta, João mesmo descreve que: “[...] todo o mundo está no maligno. (1 João 5:19). Essa afirmação dá tão logo a ideia de uma separação definida. O mundo jaz no maligno. Toda a humanidade é imanente, ou seja, é parte do mundo. Logo, toda humanidade, assim como toda criação está sob juízo divino. No entanto, os que pertencem a Cristo (comprados pelo sangue) o receberam, pois Deus deu toda a condição para que essa obra (eterna) fosse concluída no plano terreno.

        Portanto, Jesus veio para iniciar a obra redentora aqui no mundo, mas não para o mundo, pois esse está já sob o juízo divino por estar no maligno. Jesus veio para os
eleitos.

“Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome (João 1:12).
     Mas o mundo e os que não puderam receber a Cristo simplesmente não o discerniram. Jesus não se revelou a todos, como ensinam alguns. Jesus foi rejeitado como homem, mas não como Deus. Como Deus (em revelação), Jesus jamais seria rejeitado, pois a revelação (como resultado da graça divina) faz com que o chamado se torne irresistível. Como um mortal (cuja alma anseia pela satisfação por algo superior que lhe dê sentido e realização) pode rejeitar um Deus soberano em graça, paz, perdão e amor?

      Em João 1: 11, a única possibilidade que existe para dizer que o homem pôde rejeitar a Cristo é aceitar que os tais não reconheceram a Cristo como Deus, pois este não se revelou a eles, como se revelou a alguns. A multidão não andava também com Cristo? Não o ouvia? Não o seguia e via milagres? Pois então, quando a teologia desse Cristo foi dada com toda ênfase no mistério de sua futura Aliança (carne e sangue), a multidão o abandonou raivosa e duvidosa, pois não discerniram o Cristo (João 6: 66). Mas os que ficaram com Cristo, ficaram porque eram de Jesus Cristo (pertenciam a Ele) pela graça de Deus e pela soberana eleição desse mesmo Deus:

“[...] ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido” (João 6:65).

        Os eleitos e verdadeiros remidos por Cristo conhecem a Cristo e discernem o mesmo por obra do Espírito Santo: “Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós (João 14: 20). Assim, ordenando estão a conhecerem e a receberem esse Deus: E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente (João 6:69). Portanto, os que eram seus o receberam e foram chamados filhos de Deus (João 1:12).

       Partindo dessa análise, concluo dizendo que: o homem não tem participação em sua salvação, pois essa se dá no plano eterno. Vem de Deus para que, assim, ninguém se glorie nela (Efésios 2:8) acreditando ser o responsável em “aceitá-la” ou “rejeitá-la”, fazendo com que a graça de Deus torne-se em meritocracia. A livre vontade (limitada) do homem cristão se dá em plena conformidade com a ordenação divina. A salvação não pertence a todos, assim como a fé não é de todos.
       Jesus, portanto, veio para aquilo que era sua criatura (homem) para assim pregar seu juízo (para os que são do juízo) e remissão (para aqueles a quem o Pai quis remir). Veio para o seu mundo criado (kosmos) e para seu povo étnico (Israel). Esses (de forma geral) não o receberam. Muitos individualmente sim.

     Como saber se eu, de fato, o recebi?  Examinando a si mesmo e percebendo se há ou não um altar para Deus em seu coração. Como isso se evidencia? Pela obediência (Rm 1: 15), pela disposição a servir (Fp 3:3), pela fé (1Cor 16: 13), pelas obras da fé (Tg 2: 18), pelos frutos do Espírito Santo (Gl 5:22) e tantas outras evidências em nossa existência que testificam que Cristo habita em nós e que, de fato, já morremos com Cristo e novas criaturas somos ( Gl 2: 20).

E o estudo continua!

Observação: o início do Evangelho de João com a famosa frase "no princípio era o Verbo [en arqué ó Logos]" tem uma significação interessantíssima. A filosofia grega era bastante conhecida naquela região e, os judeus que tinham uma cultura acima da maioria da população, conhecia e era influenciado por ela. Principalmente por estarem ali sob o domínio romano que, trazia em sua cultura, sociedade e política os conceitos clássicos da Grécia. Havia uma importante discussão naquele tempo (iniciada a bastante tempo antes de Cristo e famosa nas palavras de Sócrates, Platão e Aristóteles) sobre como alcançar ou contemplar o Bem (que poderia ser Deus). A grosso modo e bem sucinto aqui, a definição era a de que apenas pelo Logos, poderíamos contemplar a Verdade, o Bem, o Bom, o Uno e o Belo, ou seja, chegar à verdade do Ser, contemplar o Ser. Fora do Logos (que influenciava a ação do sujeito ético), não havia possibilidade de se conhecer a verdade e nem de ser livre. João quando inicia o seu Evangelho falando que no principio era o Logos e o Logos era Deus e estava com Deus (falando de Cristo), mostrava que Jesus (a revelação desse Logos/ revelação de Deus) havia já vindo e que o mundo não pôde conhecer a luz (revelação) da Verdade, mas apenas os que eram da luz puderam conhecer a luz e contemplar a Verdade e o Sumo Bem (Deus). Não inclui a presente informação na análise, pois tem uma abordagem diferente.

Gabriel F. M. Rocha

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