Confissão
Belga de 1561
(Memorando os valores da Reforma Protestante)
Olá,
amigos, irmãos e leitores amados do Blog Palavra a Sério. Como membro de uma
igreja histórica (presbiteriana) que confessa a fé em Cristo a partir da
Reforma Protestante, eu deixo parte de um valiosíssimo arquivo que tenho em
minha biblioteca pessoal: a Confissão Belga que, dentre outros documentos
doutrinários importantes da Reforma Protestante (como as Institutas de Calvino,
Catecismo de Westiminster, Cat. De Heidelberg, Confissão de Fé Batista de 1689,
entre outras), tem uma relevância didática digna de nosso crédito (Gabriel
Felipe M. Rocha)
Breve história da Confissão Belga (1561):
o
primeiro dos padrões doutrinários das Igrejas Reformadas é a Confissão de Fé. É
chamado normalmente de Confissão Belga, pois é originário da região sul dos
Países Baixos, conhecida hoje como Bélgica. O seu principal autor, Guido de
Brès, um prega- dor das Igrejas Reformadas dos Países Baixos, foi martirizado
por causa da Fé no ano de 1567. Durante o Século XVI as igrejas desse país
estavam sujeitas às mais terríveis perseguições por parte do governo
católico-romano. De Brès preparou essa confissão no ano de 1561 para protestar
contra essa cruel opressão e provar aos seus perseguidores que os adeptos da Fé
Reformada não eram rebeldes, como haviam sido acusados, mas cidadãos dentro da
lei que professavam a autêntica doutrina cristã, segundo as Sagradas
Escrituras. No ano seguinte, um seu exemplar foi enviado ao rei Felipe II
juntamente com uma petição em que os signatários declaravam estar prontos a
obedecer o governo em todas as coisas legítimas, mas que estavam prontos “a
oferecer as suas costas aos chicotes, suas línguas às facas, suas bocas às
mordaças e o seu corpo inteiro às chamas” ao invés de negarem as verdades
expressas nessa Confissão.
A
confissão foi escrita em francês e encaminhada pelo autor a diversos estudiosos
e teólogos, que fizeram pequenas modificações. Também conhecida como Confessio
Belgicaou Confissão da Valônia, foi endereçada ao rei Filipe II na esperança de
atenuar a feroz perseguição contra a Reforma. Seu objetivo foi mostrar às
autoridades espanholas que os reformados não eram rebeldes, mas cristãos
cumpridores da lei. Imediatamente foi traduzida para o holandês (1562) e depois
para o alemão (1566).
Aqui
no Blog Palavra a Sério, postaremos apenas parte da confissão a partir do
artigo 16 ao artigo 23. “Eleição Eterna por Deus” até “Nossa Justiça perante
Deus em Cristo”.
ARTIGO 16
ELEIÇÃO ETERNA POR DEUS
Cremos
que Deus, quando o pecado do primeiro homem lançou Adão e toda a sua
descendência na perdiçãol mostrou-se como Ele é, a saber: misericordioso e
justo. Misericordioso, porque Ele livra e salva da perdição aqueles que Ele em
seu eterno e imutável conselho2, somente pela bondade, elegeu3 em Jesus Cristo
nosso Senhor4, sem levar em consideração obra alguma deles5. Justo, porque Ele
deixa os demais na queda e perdição, em que eles mesmos se lançaram6.
1 Rm
3:12. 2 Jo 6:37,44; Jo 10:29: Jo 17: 2,9,12; Jo 18:9. 3
1Sm 12:22; Sl 65:4; At 13: 48; Rm 9:16; Rm 11:5; Tt 1:1. 4 Jo 15:16,19; Rm 8:29; Ef 1:4,5. 5 Ml
1:2,3; Rm 9:11-13; 2Tm 1:9; Tt 3:4,5. 6 Rm 9:19-22; 1Pe 2:8.
ARTIGO 17
O SALVADOR, PROMETIDO POR DEUS
Cremos
que nosso bom Deus, vendo que o homem havia se lançado assim na morte corporal
e espiritual e se havia feito totalmente miserável, foi pessoalmente em busca
do homem, quando este, tremendo, fugia de sua presençal. Assim Deus mostrou sua
maravilhosa sabedoria e bondade. Ele confortou o homem com a promessa de lhe
dar seu Filho, que nasceria de uma mulher (Gálatas 4:4) a fim de esmagar a
cabeca da serpente (Gênesis 3:15) e de tornar feliz o homem2.
1 Gn 3:9. 2 Gn 22:18; Is 7:14; Jo 1:14; Jo 5:46; Jo
7:42; At 13:32; Rm 1:2,3; Gl 3:16; 2Tm 2:8; Hb 7:14.
ARTIGO 18
A ENCARNAÇÃO DO FILHO DE DEUS
Confessamos,
então, que Deus cumpriu a promessa, feita aos pais antigos pela boca dos seus
santos profetasl, quando enviou ao mundo seu próprio, único e eterno Filho, no
tempo determinado por Ele2. Este assumiu a forma de servo e tornou-se
semelhante aos homens (Filipenses 2:7), tomando realmente a verdadeira natureza
humana com todas as suas fraquezas3, mas sem o pecado4. Foi concebido no ventre
da bemaventurada virgem Maria, pelo poder do Espírito Santo, sem intervenção do
homem5. E não somente tomou a natureza humana quanto ao corpo, mas também a
verdadeira alma humana, para que fosse um verdadeiro homem. Pois, estando
perdidos tanto a alma como o corpo, Ele devia tomar ambos para salvá-los.
Por
isso, confessamos (contra a heresia dos anabatistas que negam que Cristo tomou
a natureza de sua mãe), que Cristo participou do sangue e da carne dos filhos
de Deus (Hebreus 2:14); que Ele, "segundo a carne, veio da descendência de
Davi" (Romanos 1:3); fruto do ventre de Maria (Lucas 1:42); nascido de uma
mulher (Gálatas 4:4); rebento de Davi (Jeremias 33:15; Atos 2:30); renovo da
raiz de Jessé (Isaías 11:1); brotado de Judá (Hebreus 7:14); descendente dos
judeus, segundo a carne (Romanos 9:5); da descendência de Abraão6, tornando-se
semelhante aos irmãos em tudo, mas sem pecado (Hebreus 2:16,17; 4:15).
Assim
Ele é, na verdade, nosso Emanuel, isto é: Deus conosco (Mateus 1:23).
1 Gn 26:4; 2Sm 7:12-16; Sl 132:11; Lc 1:55; At 13:23.
2 Gl 4:4. 3 1Tm 2:5; 1Tm 3:16; Hb 2:14. 4 2Co 5:21; Hb 7:26; 1Pe 2:22. 5 Mt 1:18; Lc 1:35. 6 Gl 3:16.
ARTIGO 19
AS DUAS NATUREZAS DE CRISTO
Cremos
que, por esta concepção, a pessoa do Filho está unida e conjugada
inseparavelmente, com a natureza humana1. Não há, então, dois filhos de Deus,
nem duas pessoas, mas duas naturezas, unidas numa só pessoa, mantendo cada uma
delas suas características distintas. A natureza divina permaneceu não criada,
sem início, nem fim de vida (Hebreus 7:3), preenchendo céu e terra2. Do mesmo
modo a natureza humane não perdeu suas características, mas permaneceu
criatura, tendo início, sendo uma natureza finita e mantendo tudo o que é
próprio de um verdadeiro corpo3. E ainda que, por meio da sua ressurreição,
Cristo tenha concedido imortalidade a sua natureza humana, Ele não transformou
a realidade da mesma4, pois nossa salvação e ressurreição dependem também da
realidade de seu corpo5.
Estas
duas naturezas, porém, estão unidas numa só pessoa de tal maneira que nem por
sua morte foram separadas. Ao morrer, Ele entregou, então, nas mãos de seu Pai
um verdadeiro Espírito humano, que saiu de seu corpo6, entretanto, a natureza
divina sempre continuou unida a humana, mesmo quando Ele jazia no sepulcro7. A
divindade não cessou de estar nEle, assim como estava nEle quando era criança,
embora, por algum tempo, não se tivesse manifestado.
Por
isso, confessamos que Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem: verdadeiro
Deus a fim de veneer a morte por seu poder; verdadeiro homem a fim de morrer
por nós na fraqueza de sua carne.
1 Jo 1:14; Jo 10:30; Rm 9:5; Fp 2:6,7. 2 Mt 28:20. 3
1Tm 2:5. 4 Mt 26:11; Lc 24:39; Jo 20:25; At 1:3,11; At 3:21; Hb 2:9. 5 1Co 15:21; Fp 3:21. 6 Mt 27:50. 7 Rm
1:4.
ARTIGO 20
A JUSTIÇA E A MISERICÓRDIA DE DEUS EM CRISTO
Cremos
que Deus, perfeitamente misericordioso e justo, enviou seu Filho para assumir a
natureza humane em que foi cometida a desobediêncial. Nesta natureza, Ele
satisfez a Deus, carregando o castigo pelos pecados, através de seu mui amargo
sofrimento e morte2. Assim Deus provou sua justiça sobre seu Filho, quando
carregou sobre Ele nossos pecados3 e derramou sua bondade e misericórdia sobre
nós, culpados e dignos da condenação. Por amor perfeitíssimo, Ele entregou seu
Filho a morte, por nós, e O ressuscitou para nossa justificação4, a fim de que,
por Ele, tivéssemos a imortalidade e a vida eterna.
1 Rm 8:3. 2 Hb 2:14. 3 Rm 3:25,26; Rm 8:32. 4 Rm 4:25.
ARTIGO 21
A SATISFAÇÃO POR CRISTO
Cremos
que Jesus Cristo é um eterno Sumo Sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque,
o que Deus confirmou por juramentol. Perante seu Pai e para apaziguar-Lhe a
ira, Ele se apresentou em nosso nome, por satisfação própria2, sacrificando-se
a si mesmo e derramando seu precioso sangue, para purificação dos nossos
pecados3, conforme os profetas predisseram4.
Pois,
está escrito que "o castigo que nos traz a paz estava sobre " o Filho
de Deus e que "pelas suas pisaduras fomos sarados"5; "como
cordeiro foi levado ao matadouro"; "foi contado com os
transgressores"6 (Isaías 53: 5,7,12); e como criminoso foi condenado por
Pôncio Pilatos embora este o tivesse declarado inocente7. Assim, então,
restituiu o que não tinha furtado (Salmo 69:4), e sofreu, "o justo pelos injustos"8
(lPedro 3:18), tanto no seu corpo como na sua alma9, de maneira que sentiu o
terrível castigo que os nossos pecados mereceram. Assim "o seu suor se
tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra " (Lucas 22:44). Ele
"clamou em alta voz: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?"
(Mateus 27:46) e padeceu tudo para a remissão dos nossos pecados.
Por
isso, dizemos, com razão, junto com Paulo que não sabemos outra coisa,
"senão Jesus Cristo, e este crucificado" (1Corlntios 2:2).
Consideramos "tudo como perda por causa da sublimidade do conhecimento de
Cristo Jesus", nosso Senhor (Filipenses 3:8). Encontramos toda consolação
em seus ferimentos e não precisamos buscar ou inventar qualquer outro meio para
nos reconciliarmos com Deus, "porque com uma única oferta aperfeicoou para
sempre quantos estão sendo santificados,10 (Hebreus 10:14). Por isso, o anjo de
Deus O chamou Jesus, quer dizer: Salvador, porque ia salver "o seu povo
dos pecados deles "11 (Mateus 1:21).
1 Sl 110:4; Hb 7:15-17. 2 Rm 4:25; Rm 5: 8-9; Rm 8:32;
Gl 3:13; Cl 2:14; Hb 2:9,17; Hb 9:11-15. 3 At 2:23; Fp 2:8; 1Tm 1:15; Hb 9:22;
1Pe 1:18,19; 1Jo 1:7; Ap 7:14. 4 Lc 24:25-27; Rm 3:21; 1Co 15:3. 5 1Pe 2:24. 6
Mc 15:28. 7 Jo 18:38. 8 Rm 5:6. 9 Sl 22:15. 10 Hb 7:26-28; Hb 9:24-28. 11 Lc 1:31;
At 4:12.
ARTIGO 22
A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ EM CRISTO
Cremos
que, para obtermos verdadeiro conhecimento desse grande mistério, o Espírito
Santo acende, em nosso coração, verdadeira fé1. Esta fé abraça Jesus Cristo com
todos os seus méritos, apropria-se dEle e nada mais busca fora dEle2. Pois das
duas, uma: ou não se ache em Jesus Cristo tudo o que é necessário para nossa
salvação, ou tudo se acha nEle, e, então, aquele que possui Jesus Cristo pela
fé, tem a salvação completa3. Dizer porém que Cristo não é suficiente, mas que,
além dEle, algo mais é necessário, significaria uma blasfêmia horrível. Pois
Cristo seria apenas um salvador incompleto.
Por
isso, dizemos, com razão, junto com o apóstolo Paulo, que somos justificados
somente pela fé, ou pela fe sem as obras4 (Romanos 3:28). Entretanto, não
entendemos isto como se a própria fé nos justificasse5, mas ela é somente o
instrumento com que abraçamos Cristo, nossa justiça. Mas Jesus Cristo,
atribuindo-nos todos os seus méritos e tantas obras santas, que fez por nós e
em nosso 1ugar, é nossa justiça6. E a fé é o instrumento que nos mantém com Ele
na comunhão de todos os seus benefícios. Estes, uma vez dados a nós, são mais
que suficientes para nos absolver dos pecados.
1 Jo 16:14; 1Co 2:12; Ef 1:17,18. 2 Jo 14:6; At 4:12;
Gl 2:21. 3 Sl 32:1; Mt 1:21; Lc 1: 77; At 13:38,39; Rm 8:1. 4 Rm 3:19-4:8; Rm
10:4-11; Gl 2:16; Fp 3:9; Tt 3:5. 5 1Co 4:7. 6 Jr 23:6; Mt 20:28; Rm 8:33; 1Co
1:30,31; 2Co 5:21; 1Jo 4:10.
ARTIGO 23
NOSSA JUSTIÇA PERANTE DEUS EM CRISTO
Cremos
que nossa verdadeira felicidade consiste no perdão dos pecados, por causa de
Jesus Cristo, e que isto significa para nós a justiça perante Deusl. Assim nos
ensinam Davi e Paulo, declarando: "Bem-aventurado o homem a quem Deus
atribui justiça, independentemente de obras" (Romanos 4:6; Salmo 32:2). E
o mesmo apóstolo diz que somos "justificados gratuitamente, por sua graça,
mediante a redenção que há em Cristo Jesus"2 (Romanos 3: 24).
Portanto,
perseveramos neste fundamento, dando toda a glória a Deus3, humilhando-nos e
reconhecendo que nós, homens, somos maus. Não nos vangloriamos, de nenhuma
maneira, de nós mesmos ou de nossos méritos4. Somente nos apoiamos e repousamos
na obediência do Cristo crucificado5. Esta obediência é nossa se cremos nEle6.
Ela é suficiente para cobrir todas as nossas iniqüidades. Ela liberta nossa
consciência de temor, perplexidade e espanto e, assim, nos dá ousadia de
aproximarmo-nos de Deus, sem fazermos como nosso primeiro pai Adão que,
tremendo, quis cobrir-se com folhas de figueira7. E, certamente, se tivéssemos
que comparecer perante Deus, apoiando-nos, por pouco que fosse, em nós mesmos
ou em qualquer outra criatura - ai de nós -, pereceríamos8. Por isso, cada um
deve dizer com Davi: "Ó Senhor, não entres em juízo com o teu servo,
porque a tua vista não há justo nenhum vivente" (Salmo 143:2).
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