domingo, 23 de novembro de 2014

Revelação

Revelação

(Por R. C. Sproul)

Olá, amigos, irmãos e leitores do Blog Palavra a Sério! A Paz!
Desde que abracei a fé reformada, entendendo-a e percebendo-a como uma fé pautada não só na história gloriosa da Reforma Protestante, mas pautada e totalmente fundamentada nas Escrituras, na Bíblia como regra única de fé e prática da Igreja de Jesus Cristo, Sproul tem sido um pregador, autor e exemplo que tem sido usado por Deus para me inspirar cada dia mais. Sendo assim, deixo um breve texto de R.C. Sproul sobre o conceito de “Revelação” à luz das Escrituras. Principalmente, sabendo que muitas igrejas de cunho sectário surgiram através de supostas “revelações” e, o mesmo termo tem sido – também – muito usado entre os neopentecostais sem nenhum cuidado, entendimento e estudo. Portanto, faz-se relevante e pertinente analisar à luz da Bíblia tal conceito. Boa leitura!

Tudo o que sabemos sobre o Cristianismo nos foi revelado por Deus. Revelar significa "tirar o véu." Tem a ver com remover a cobertura e descobrir algo que está encoberto.
Quando meu filho era pequeno, nossa família desenvolveu uma tradição anual para comemorar seu aniversário. Em vez da prática geral de entregar os presentes, fazíamos isso por meio da nossa versão caseira do programa de televisão "Vamos Fazer um Trato." Eu escondia os presentes destinados a ele, por exemplo, dentro de uma gaveta, debaixo do sofá ou atrás de uma cadeira. Então lhe dava algumas opções: "Você pode ganhar o que está na gaveta da minha escrivaninha ou o que está no meu bolso". O ponto principal do jogo era o "grande trato do dia". Eu colocava três cadeiras, uma ao lado da outra, cada uma delas coberta com um lençol. Cada lençol encobria um presente. Na primeira cadeira colocávamos um presente simples, na Segunda o presente principal que ele iria ganhar e sobre a terceira uma muleta que ele havia usado quando quebrou a perna aos sete anos de idade.
Meu filho escolheu a cadeira com a muleta por três anos consecutivos! (No final, sempre permitíamos que trocasse a muleta pelo presente.) No quarto ano, estava determinado a não escolher mais a muleta. Desta vez, eu escondi o presente principal junto com a muleta, na mesma cadeira, e deixei a ponta da muleta aparecendo por baixo do lençol. Ao ver a ponta da muleta, meu filho evitou cuidadosamente aquela cadeira. Ganhei de novo!
A parte mais divertida da brincadeira era tentar adivinhar onde o presente estava escondido. Tratava-se contudo de um trabalho de mera suposição, pura especulação. A descoberta do verdadeiro tesouro só podia ser feita depois que o lençol era removido e o presente ficava exposto.
O mesmo acontece com o nosso conhecimento de Deus. A especulação fútil sobre Deus é mera tolice. Se queremos conhecê-lo de verdade, temos de depender daquilo que ele revela sobre si mesmo.
A Bíblia declara que Deus se revela de várias maneiras. Manifesta sua glória na natureza e por meio dela. Revelou-se nos tempos antigos por meio de sonhos e visões. As marcas da sua providência se manifestam nas páginas da História. Revela-se nas Escrituras inspiradas. O ponto mais alto da sua revelação é visualizado em Jesus Cristo, tornando-se ser humano – o que os teólogos chamam de "encarnação".
O autor da carta aos Hebreus escreveu: Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo. Hebreus 1.1,2.
Embora a Bíblia fale das "diversas maneiras" em que Deus se revela, distinguimos entre dois tipos principais de revelação – a geral e a especial.
A revelação geral é chamada assim por duas razões: (1) ela é geral no conteúdo e (2) é revelada para uma audiência geral.

Conteúdo Geral
A revelação geral nos proporciona o conhecimento de que Deus existe. "Os céus proclamam a glória de Deus", diz o salmista. A glória de Deus é manifesta nas obras das suas mãos. Essa manifestação é tão clara e visível que nenhuma criatura pode deixar de percebê-la. Ela revela o poder eterno de Deus e sua divindade (Rm.1.18-23). A revelação na natureza, porém, não proporciona uma revelação plena de Deus. Não nos dá informações sobre o Deus Redentor que encontramos na Bíblia. O Deus que se revela na natureza, entretanto, é o mesmo Deus que se revela na Bíblia.

Público Geral
Nem todas as pessoas no mundo já leram a Bíblia ou ouviram a proclamação do Evangelho. A luz da natureza, porém, brilha sobre todos, em todos os lugarem em todo o tempo. A revelação geral de Deus acontece diariamente. Deus nunca fica sem um testemunho de si mesmo. O mundo visível é como um espelho que reflete a glória do seu Criador.
O mundo é um palco para Deus. Ele é o ator principal, que aparece em primeiro plano e no centro. Nenhuma cortina pode fechar-se para obscurecer sua presença. Basta um olhar de relance na criação para se perceber que a natureza não é sua própria mãe. Não existe a tal "Mãe Natureza". A natureza em si mesma não tem poderes para produzir qualquer tipo de vida. A natureza, em si é estéril. O poder de produzir a vida reside no Autor da natureza – Deus. Colocar a natureza como a fonte de vida é confundir a criatura com o Criador. Todas as formas de adoração da natureza, portanto, são atos de idolatria e são abomináveis para Deus.
``A luz da força da revelação geral, todo ser humano sabe que Deus existe. O ateísmo envolve a negação total de algo que é reconhecido como verdadeiro. Por isso a Bíblia diz: "Diz o insensato no seu coração: Não há Deus." (Sl. 14.1). Quando as Escrituras tratam tão severamente o ateu, chamando-o de "insensato", elas estão fazendo um julgamento moral dele. Ser insensato, em termos bíblicos, não significa Ter pouco entendimento ou falta de inteligência; é ser imoral. Como o temor do Senhor é o princípio da sabedoria, assim a negação de Deus é o máximo da loucura.
Semelhantemente o agnóstico nega a validade da revelação geral. O agnóstico, porém, é menos berrante que o ateu. Ele não nega terminantemente a existência de Deus. Pelo contrário, ele declara que as evidências são insuficientes para se decidir de uma maneira ou de outra quanto à existência de Deus. Prefere suspender seu julgamento, deixando o tema da existência de Deus uma questão em aberto. À luz da clareza da revelação geral, entretanto, a posição do agnosticismo não é menos abominável para Deus do que a do ateísta militante.
Para qualquer pessoa, porém, cuja mente e coração estão abertos, a glória de Deus é maravilhosa de se ver – desde os bilhões de universos no firmamento, até as partículas subatômicas que formam a menor das moléculas. Que Deus incrível nós servimos!
A influência de vários movimentos em nossa cultura, tais como a Nova Era, as religiões orientais e a filosofia irracional tem provocado uma crise no entendimento. Uma nova forma de misticismo tem surgido, a qual exalta o absurdo como a marca registrada da verdade religiosa. Lembremo-nos da máxima do Zen Budismo, de que "Deus é uma mão batendo palmas" como uma ilustração desse padrão.
Dizer que Deus é uma mão batendo palmas tem uma ressonância profunda. Tal afirmação conffunde a mente consciente, pois é um golpe nos padrões normais de pensamento. Soa "profundo" e intrigante, até analisarmos cuidadosamente e descobrirmos que na raiz é simplesmente destituída de sentido.
A irracionalidade é um tipo de caos mental. Fundamenta-se na confusão que se opões ao Autor de toda a verdade, o qual não é de forma alguma autor de confusão.
O Cristianismo bíblico é vulnerável a tais correntes de irracionalidade exaltada, porque irracionalidade admite candidamente que existem muitos paradoxos e mistérios na própria Bíblia. Existem linhas que separam o paradoxo, o mistério e a contradição; embora sejam tênues, essas linhas divisórias são cruciais e é importante que aprendamos a distingui-las.
Quando tentamos perscrutar as profundezas de Deus, somos facilmente confundidos. Nenhum mortal pode compreender a Deus exaustivamente. A Bíblia revela coisas sobre Deus que sabemos serem verdadeiras, a despeito da nossa incapacidade de entendê-las totalmente. Não temos um ponto de referência humano para entender, por exemplo, um ser que é três em termos de pessoa, mas um só em essência (a Trindade), ou um ser que é uma pessoa com duas naturezas distintas, humana e divina (a pessoa de Cristo). Essas verdades, tão certas, como são, são "elevadas" demais para podermos compreendê-las.
Encontramos problemas similares no mundo natural. Sabemos que a força da gravidade existe, mas não a entendemos e nem tentamos defini-la como irracional ou contraditória. A maioria das pessoas concorda que o movimento é uma parte integrante da realidade, embora a essência do movimento em si tenha deixado filósofos e cientistas perplexos por milênios. Isso, porém, não justifica um salto no absurdo. A irracionalidade é fatal tanto para a religião como para a ciência. De fato, ela é mortal para qualquer verdade.
O filósofo cristão Gordon H. Clark certa vez definiu um paradoxo como "uma cãibra entre as orelhas’. Seu comentário espirituoso destina-se a destacar que aquilo que às vezes é chamado de paradoxo frequentemente nada mais é do que preguiça mental. Clark, entretanto, reconhecia claramente o papel legítimo e a função do paradoxo. A palavra paradoxo vem de uma raiz grega que significa "parecer ou aparentar". Paradoxos são difíceis de entender porque à primeira vista "parecem" contradições, mas quando são sujeitos a um exame minucioso, frequentemente pode-se encontrar as soluções. Por exemplo, Jesus disse: "Quem perde a vida por minha causa achá-la-á" (Mt.10.39). Aparentemente, isso soa semelhante à declaração de que "Deus é uma mão batendo palmas". Soa como vida em um sentido, irá encontrá-la em outro sentido. Já que a perda e a salvação têm sentidos diferentes, não há contradição. Eu sou pai e filho ao mesmo tempo, mas obviamente não há contradição. Eu sou pai e filho ao mesmo tempo, mas obviamente não no mesmo relacionamento com a mesma pessoa.
O termo paradoxo é frequentemente mal-interpretado como sendo sinônimo de contradição; agora, inclusive, aparece em alguns dicionários como um significado secundário desse termo. Uma contradição é uma afirmação que viola a lei clássica da não contradição. A Lei da não-contradição declara que A não pode ser A e não-A ao mesmo tempo e no mesmo contexto. Quer dizer, algo não pode ser o que é e não ser o que é ao mesmo tempo e no mesmo contexto. Essa é a mais fundamental de todas as leis da lógica.
Ninguém pode entender uma contradição, porque uma contradição é inerentemente incompreensível. Nem mesmo Deus pode entender contradições; entretanto, certamente ele pode reconhecê-las pelo que são – falsidades. A palavra contradição vem do latim "falar contra". Às vezes é chamada uma antinomia, que significa "contra a lei". Para Deus, falar em contradições seria ser intelectualmente anormal, falar com uma língua bipartida. Até mesmo insinuar que o Autor da verdade poderia cair em contradição seria um grande insulto e uma blasfêmia irresponsável. A contradição é a arma do mentiroso – o pai da mentira, que despreza a verdade.
Existe uma relação entre mistério e contradição, que facilmente nos leva a confundir ambos. Não entendemos mistérios. Não podemos entender contradições. O ponto de contato entre ambos os conceitos é seu caráter ininteligível. Os mistérios podem não ser claros para nós agora simplesmente porque nos falta a informa[ção o u a perspectiva para entendê-los. A Bíblia promete que no céu teremos mais luz sobre os mistérios que agora não podemos entender. Mais luz pode resolver os atuais mistérios. Não existe, entretanto, luz suficiente nem no céu nem na Terra para resolver uma óbvia contradição.
Quando eu era menino e minha mãe queria que fizesse algo para ela sem demora, acentuava a ordem usando o adverbio imediatamente. Ela dizia: "Filho, vá para o seu quarto imediatamente."
Minha mãe usava a palavra imediatamente para referir-se a um evento no tempo que devia ocorrer sem qualquer bloco de tempo intermediário. Na teologia, o termo imediato significa algo mais. Significa que algo acontece sem passar por nenhum agente, objeto ou meio intermediários. É uma ação que ocorre sem a participação de intermediários.
Na teologia bíblica podemos distinguir dois tipos de revelação geral – aquela que é comunicada diretamente. Quando falamos de revelação geral imediata, nos referimos à revelação transmitida por meio de alguma coisa. Quando os céus revelam a Deus, tornam-se os mediadores, ou o meio pelo qual Deus manifesta sua glória. Neste sentido, todo o universo é um meio de revelação divina. A criação dá testemunho do seu Criador.
A Bíblia diz que toda a terra está repleta da glória de Deus. Lamentavelmente, com frequencia nós ignoramos essa glória que nos cerca. Temos a tendência de viver de maneira superficial. Estamos desatentos diante da maravilha que Deus nos proporciona em sua gloriosa criação. Estamos desligados e fora de contato. As idéias religiosas são inúteis se não expressam algo real.
A presença sublime de Deus está em toda a nossa volta. Ainda assim, muitas vezes estamos cegos e surdos para ela. Não compreendemos sua linguagem. Exige mais do que simplesmente parar para cheirar as flores. A flor contém mais do que um aroma suave ou um perfume agradável. Ela transpira a glória do seu Criador. Todos nós estamos em contato com a revelação divina, quando reconhecemos a glória de Deus na natureza e é revelada nela e por meio dela.
Além de revelar sua glória indiretamente por meio da criação, Deus também se revela diretamente à mente humana. Essa é chamada revelação geral imediata.
O apóstolo Paulo fala da Lei de Deus escrita em nosso coração (Rm.2.12-16). João Calvino falou sobre um senso do divino, o qual Deus implanta na mente de cada pessoa. Ele disse: Nós, inquestionavelemente, afirmamos que os homens têm em si mesmos certo senso da divindade; e isto, por um instinto natural. ... Deus mesmo dotou todos os homens com certo conhecimento de sua divindade, cuja memória ele constantemente renova e ocasionalmente amplia. (Institutas, II, 1,43).
Todas as culturas atestam a presença de alguma atividade religiosa, confirmando a incurável natureza religiosa da humanidade. Os seres humanos são religiosos no seu âmago. O caráter de tal religiosidade pode ser grosseiramente idólatra; mas até mesmo a idolatria, ou melhor, principalmente a idolatria, dá uma evidência desse conhecimento inato que pode ser distorcido, mas jamais destruído.
Lá bem no fundo da nossa alma nós sabemos que Deus existe e que nos deu suas Leis. Procuramos sufocar esse conhecimento a fim de escapar dos seus mandamentos. Por mais que nos esforcemos, porém, não podemos calar essa voz interior. Ela pode ser abafada, mas jamais ser destruída.
Quando foi tentado por Satanás no deserto, Jesus o repreendeu com as palavras: "Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus" (Mt.4.4). Historicamente, a igreja tem feito ecoar o ensino de Jesus, afirmando que a Bíblia é a vox Dei, a "voz de Deus" ou o verbum Dei, a "Palavra de Deus’. Chamar a Bíblia de "a Palavra de Deus" não significa sugerir que ela foi escrita pela própria mão de Deus, ou que caiu do céu num pára-quedas. A própria Bíblia claramente chama a atenção para seus muitos autores humanos. Se a estudarmos cuidadosamente, percebemos que cada autor humano tem seu próprio estilo literário peculiar, seu próprio vocabulário, ênfase especial, perspectiva e outros aspectos. Já que a produção da Bíblia envolveu esforço humano, como pode ser ela considerada Palavra de Deus?
A Bíblia é chamada de Palavra de Deus por causa da sua reivindicação, crida pela igreja, de que os escritores humanos não escreveram simplesmente suas próprias opiniões, mas que suas palavras foram inspiradas por Deus. O apóstolo Paulo escreve: "Toda Escritura é inspirada por Deus" (2 Tm. 3.16). A palavra inspiração é uma tradução da palavra grega que significa "sopro de Deus". Quer dizer, Deus soprou a Bíblia. Assim como temos de expelir ar de nossa boca quando falamos, assim, em última análise, a Bíblia é Deus falando.
Embora a Bíblia tenha chegado a nós por intermédio das mãos de autores humanos, a fonte suprema das Escrituras é Deus. Por isso os profetas podiam prefaciar suas palavras, dizendo: "Assim diz o Senhor". Por isso Jesus também podia dizer: "A tua palavra é a verdade" (Jo. 17.17) e "a Escritura não pode falhar" (Jo. 10.35).
A palavra inspiração também chama a atenção par ao processo pelo qual o Espírito Santo superintendeu a produção da Bíblia. O Espírito guiou os autores humanos para que as palavras deles não fossem nada menos que a Palavra de Deus. Não sabemos como Deus superintendeu a redação original da Bíblia. Inspiração, entretanto, não significa que Deus ditou sua mensagem para aqueles que redigiram a Bíblia. Ao invés disso, o Espírito Santo comunicou as exatas palavras de Deus por intermédio dos escritores humanos.
Os cristãos afirmam a infalibilidade e a inerrância da Bíblia porque, em última análise, Deus é o seu autor. E porque Deus é incapaz de inspirar algo falso, sua palavra é totalmente verdadeira e digna de toda confiança. Qualquer literatura humana, elaborada pelos meios normais, está sujeita a erros. A Bíblia, porém, não é um projeto humano normal. Se a Bíblia foi inspirada por Deus e sua redação foi supervisionada por ele, então não pode ter erros.
Isso significa que as traduções da Bíblia que temos hoje não estejam isentas de erro, mas que os manuscritos originais eram absolutamente corretos. Isso também não significa que cada declaração da Bíblia seja a expressão da verdade. O escritor do livro de Eclesiastes, por exemplo, declara que "no além para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma" (Ec.9.10). O escritor estava falando do ponto de vista do desespero humano e sabemos que esta declaração não expressa a verdade, de acordo com outros textos bíblicos. A Bíblia expressa a verdade até mesmo ao revelar a falsa argumentação de um homem desesperado.


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