A Era do Espírito
Santo
"Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado" (João 7: 38-39)
A vinda do Espírito marcaria uma nova era para o
mundo, e especialmente para a igreja. Há muito tempo Deus vinha anunciando
através dos profetas a chegada de uma era espetacular. Essa era foi
identificada como um derramamento especial do Espírito Santo. Apesar do
Espírito já estar em atividade durante todo o período do Antigo Testamento,
como disse Stott, “mesmo assim, alguns profetas predisseram que nos dias do Messias,
Deus concederia uma difusão liberal do Espírito Santo, nova e diferente, bem
como acessível a todos”5. Isaías profetizou que depois de um tempo de muita
destruição para o povo de Israel, onde os palácios seriam abandonados, as
cidades ficariam desertas, as torres seriam destruídas, finalmente, Deus
derramaria o “Espírito lá do alto”; então, toda uma renovação aconteceria (Is
32.14-15). Esse derramar do Espírito passou a ser uma das grandes expectativas
escatológicas do povo de Deus. Isaías fala ainda: “Porque derramarei água sobre o sedento e torrentes sobre a terra seca;
derramarei o meu Espírito sobre a tua posteridade e a minha bênção, sobre os
teus descendentes” (Is 44.3). Ezequiel foi ainda mais específico sobre esse
derramamento: “Então, aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados;
de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei.
Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o
coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu
Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os
observeis” (Ez 36.27). E Joel fala da amplitude desse derramamento: “E
acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos
filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens
terão visões; até sobre os servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito
naqueles dias” (Jl 2.28-29). Toda a expectativa sobre o derramamento do
Espírito pode ser vista nas palavras de João Batista no início de seu
ministério: “Eu
vos tenho batizado com água; ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo”
(Mc 1.8). João Batista anunciou que a profecia do Antigo Testamento, sobre o
derramar do Espírito Santo, logo se cumpriria na pessoa daquele a quem ele
anunciava, o Senhor Jesus Cristo. E o próprio Senhor, após a sua ressurreição,
disse aos Apóstolos: “Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai;
permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc
24.49). Jerusalém seria o local onde finalmente o Espírito prometido viria.
Bruner enfatiza a importância de Jerusalém nesse ponto: “Para receberem o
Espírito Santo, os apóstolos são ordenados a não se ausentarem de Jerusalém.
Jerusalém, no conceito de Lucas, será o local do penúltimo evento da história
da salvação antes do último evento: a volta de Cristo”6. Jerusalém é a cidade
escolhida para que a antiga profecia se cumpra, e assim, o Espírito prometido
venha sobre o povo escolhido. Por isso, no dia do Pentecostes, Pedro claramente
entendeu que a promessa havia se cumprido. Percebemos isso por suas palavras: “Mas o que
ocorre é o que foi dito por intermédio do profeta Joel: E acontecerá nos
últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne”
(At 2.16-17). Sobre essa base, ele teve a coragem de proclamar à multidão que o
ouvia: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo
para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois
para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda
estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar” (At 2.38-39). O
perdão dos pecados e o dom do Espírito eram promessas divinas que haviam
acabado de se cumprir naquele dia. A última expressão de Pedro de que a
promessa era para todos os que “Deus chamar”, aponta para o aspecto universal
da promessa do Espírito. Joel já havia dito que o derramamento seria sobre todo
tipo de pessoas, incluindo jovens, velhos, homens, mulheres, servos e servas
(Jl 2.29). Independente de idade, sexo, raça e classe social, o dom incluía
todos os que se arrependessem e cressem7. Agora Pedro começa a alargar ainda
mais a tenda, pois começa a antever a possibilidade de que outros povos sejam
incluídos.
Percebemos, portanto, que desde o Antigo
Testamento, sempre houve uma promessa divina de enviar o Espírito Santo a fim
de iniciar uma era diferente, a Era do Espírito. O Espírito viria habitar de
forma mais plena e universal o povo de Deus, que não mais seria limitado a uma
nação, pois englobaria pessoas de todas as tribos, raças, línguas e nações. O
momento quando aquela promessa fosse cumprida seria um momento ímpar, um
momento único na história da salvação.
5 John Stott. Batismo e Plenitude do Espírito
Santo, p. 17.
6 F. D. Bruner. Teologia do Espírito Santo, p. 126.
7 Ver John Stott. Batismo e Plenitude do Espírito Santo, p. 20.
6 F. D. Bruner. Teologia do Espírito Santo, p. 126.
7 Ver John Stott. Batismo e Plenitude do Espírito Santo, p. 20.
O Espírito no Antigo Testamento
Se os profetas anunciaram um tempo especial quando
o Espírito seria derramado, isso significa que o Espírito não estava em atuação
no Antigo Testamento? Quando pensamos no Espírito Santo, logo nos lembramos do
dia de Pentecostes quando Deus enviou o Espírito do céu, e ele encheu os
discípulos de Jesus e os capacitou para a tarefa de pregar o Evangelho em todo
o mundo. Sabemos que a partir daí a Igreja Cristã começou a se desenvolver, e
também que o Novo Testamento passou a ser proclamado. Mas onde estava o
Espírito Santo durante o tempo do Antigo Testamento? Qual foi a atuação dele
desde o início do mundo? Sendo o Espírito Santo a terceira pessoa da Trindade,
não devemos pensar que ele estivesse inativo durante todo esse tempo. Jesus
disse aos discípulos que enviaria o Espírito Santo (Lc 24.49), e que eles
deveriam esperar essa vinda. Precisamos entender em que sentido a vinda do
Espírito caracterizaria uma novidade em relação a atuação do Espírito no Antigo
Testamento.
Capacitações especiais
O Espírito Santo atuava nos seres humanos no Antigo
Testamento. Uma das tarefas específicas do Espírito Santo era capacitar o homem
para realizar certas tarefas. Assim, um homem chamado Bezalel foi capacitado
por Deus para confeccionar os objetos que seriam postos no Tabernáculo. Deus
disse: “E o enchi do Espírito de Deus, de habilidade, de inteligência e de
conhecimento, em todo artifício para elaborar desenhos e trabalhar em ouro, em
prata, em bronze, para lapidação de pedras de engaste, para entalho de madeira,
para toda sorte de lavores” (Ex 31.3-5). Da mesma forma, Sansão foi cheio desse
Espírito para realizar prodígios, como está relatado em Juízes 14:6, quando
matou um leão: “Então, o Espírito do SENHOR de tal maneira se apossou dele, que
ele o rasgou como quem rasga um cabrito, sem nada ter na mão”.
O Espírito também dava “força” num outro sentido.
Os profetas Ageu e Zacarias encorajaram o povo na obra da reconstrução de
Jerusalém e do templo, falando sobre a presença do Espírito Santo. Ageu disse
em nome do Senhor: “O meu Espírito habita no meio de vós; não temais” (Ag 2.5).
Esse Espírito era a garantia de que a obra seria realizada, conforme Zacarias
também profetizou: “Esta é a palavra do SENHOR a Zorobabel: Não por força nem
por poder, mas pelo meu Espírito, diz o SENHOR dos Exércitos” (Zc 4.6). Da
mesma forma os Juízes e os Reis governaram sobre Israel através da unção do
Espírito Santo (Ver Nm 27.18; Jz 3.10; 1Sm 16.14), que fazia com que homens
simples pudessem desempenhar ofícios de governantes. Porém, como diz Hodge,
Todas essas operações são independentes das
influências santificadoras do Espírito. Quando o Espírito veio sobre Sansão ou
sobre Saul, não foi com o intuito de torná-los santos, mas para dotá-los com
extraordinário poder físico e intelectual; e, quando lemos que o Espírito se
afastou deles, isso significa que eles foram privados dos dons
extraordinários8.
Não devemos confundir essas manifestações do
Espírito com a obra da Conversão.
O Espírito e a conversão
Mas será que isso quer dizer que o Espírito não
agia para a salvação das pessoas no Antigo Testamento? A esse respeito, um
texto de Jesus é bastante discutido. Jesus disse certa vez aos Apóstolos: “E eu
rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre
convosco, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não no
vê, nem o conhece; vós o conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós”
(Jo 14.16-17). Essas palavras de Jesus têm dado margem para muitos imaginarem
que o Espírito Santo não habitasse dentro dos crentes no Antigo Testamento,
especialmente quando consideradas em conjunto com as palavras de Jesus
registradas em João 7.38-39: “Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu
interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito que
haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não
fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado”. Esses textos parecem
indicar que os crentes do Antigo Testamento não tinham o Espírito, mas isso é
uma impossibilidade. A opinião de Grudem é muito útil nesse ponto: “Ambas as
passagens devem ser maneiras diferentes de dizer que a obra mais poderosa, mais
plena do Espírito Santo, característica da vida após o Pentecostes, ainda não
havia começado na vida dos discípulos”9. Não significa que o Espírito Santo não
habitasse os crentes no Antigo Testamento (Ver Lc 1.15; 1.67; 2.26-27; 1Sm
10.6; Is 4.4; 11.2), mas que ele seria derramado de forma mais abundante a
partir do Pentecostes. Bavinck dá duas razões porque havia diferença entre o
Espírito antes e depois do Pentecostes:
Em primeiro lugar, pelo fato de que a Velha
Dispensação sempre olhava para a frente, para o dia em que surgiria o Servo do
Senhor, sobre quem o Espírito repousaria em toda a sua plenitude (...) Em
Segundo lugar, o Velho Testamento prediz que, embora houvesse já naquele tempo
uma certa operação do Espírito Santo, que esse Espírito seria derramado sobre
toda a carne10.
Não há sentido em pensar que o Espírito não agisse
nos crentes para salvá-los antes do dia de Pentecostes, pois como diz Stott,
“no tempo do Antigo Testamento, ele estava incessantemente ativo – na criação e
na preservação do universo, na providência e na revelação, na regeneração de
crentes, e na capacitação de pessoas especiais para tarefas especiais”11. A
regeneração é impossível sem a atuação do Espírito Santo, então, se havia
crentes no Antigo Testamento, essas pessoas precisavam ter o Espírito.
Encontramos no Salmo 51 uma importante declaração de Davi sobre isso.
Consciente de seu pecado com Bateseba, Davi ora a Deus: “Não me repulses da tua
presença, nem me retires o teu Santo Espírito” (Sl 51.11). Como diz
Lloyd-Jones, “aqui estava um homem sob a velha dispensação, um homem anterior
ao Pentecostes, e orou para que Deus não retirasse dele o Seu Espírito”12. Se
Davi tinha o Espírito Santo, devemos também pensar que todos os demais crentes,
como Abraão, Isaque, Jacó, José, etc., tinham o Espírito Santo, pois como diz
Calvino, “tudo o que o Senhor tinha feito e sofrido para adquirir salvação para
o gênero humano pertencia tanto aos crentes do Antigo Testamento quanto a nós.
E, de fato, eles tinham um mesmo espírito que nós temos, pelo qual Deus
regenera os Seus para a vida eterna.”13 Mas, há diferença no sentido de que, o
derramar do Espírito era mais restrito. Após o Pentecostes, vemos um derramar
generalizado, especialmente incluindo outros povos.
8 Charles Hodge. Teologia Sistemática, p. 395.
9 Wayne Grudem. Teologia Sistemática, p. 533.
10 Hermann Bavinck. Teologia Sistemática, p. 424.
11 John Stott. Batismo e Plenitude do Espírito Santo, p. 17.
12 D. M. Lloyd-Jones. Deus o Espírito Santo, p. 45.
13 João Calvino. As Institutas, (1541), II.7.
9 Wayne Grudem. Teologia Sistemática, p. 533.
10 Hermann Bavinck. Teologia Sistemática, p. 424.
11 John Stott. Batismo e Plenitude do Espírito Santo, p. 17.
12 D. M. Lloyd-Jones. Deus o Espírito Santo, p. 45.
13 João Calvino. As Institutas, (1541), II.7.
Artigo da Igreja Presbiteriana de Alfenas-MG
Nenhum comentário:
Postar um comentário