Livre arbítrio sem liberdade?
"Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres." (João 8.36)
"εαν
ουν ο υιος υμας ελευθερωση οντως ελευθεροι εσεσθε" (João 8.36)
"Si ergo Filius vos liberaverit, vere liberi eritis." (João 8.36)
Assim como Edwards fez uma crucial distinção
entre capacidade moral e capacidade natural, também Agostinho, antes dele, fez
uma distinção similar. Agostinho abordou o problema dizendo que o homem tem um livre
arbítrio, mas falta-lhe liberdade. Na superfície parece uma
distinção estranha. Como poderia alguém ter um livre arbítrio e ainda assim não
ter liberdade?
Agostinho estava chegando à mesma coisa que
Edwards. O homem decaído não perdeu sua capacidade de fazer escolhas. O pecador
ainda é capaz de escolher o que ele quer, ele ainda pode agir de acordo com
seus direitos. Ainda assim, por serem seus desejos corruptos, ele não tem a
liberdade real daqueles que foram libertos para a justiça. O homem decaído está
num sério estado de servidão moral. Esse estado de servidão é chamado de pecado
original.
O pecado original é um assunto difícil que
virtualmente toda denominação cristã tem que enfrentar. A queda do homem é
ensinada tão claramente na Escritura que não podemos construir uma visão do
homem sem levá-la em consideração. Existem uns poucos cristãos, se é que
existem, que argumentam que o homem não é decaído. Sem reconhecer que somos
decaídos, não podemos reconhecer que somos pecadores. Se não reconhecer que
somos pecadores, dificilmente fugiremos para Cristo como nosso Salvador.
Admitir a queda é um pré-requisito para vir a Cristo.
É possível admitir que somos decaídos sem
abraçar alguma doutrina de pecado original, mas somente com severas
dificuldades no processo. Não é por acaso que quase todo o corpo de Cristo tem
formulado alguma doutrina de pecado original.
Neste ponto, multidões de cristãos discordam.
Concordamos que precisamos ter uma doutrina de pecado original, mas aí
permanece grande discordância quanto ao conceito de pecado original e sua
extensão.
Vamos começar declarando o que o pecado
original não é. O pecado original não é o primeiro pecado. O pecado original
não se refere especificamente ao pecado de Adão e Eva. O pecado original
refere-se ao resultado do pecado de Adão e Eva. O pecado
original é a punição que Deus dá pelo primeiro pecado. É alguma coisa assim:
Adão e Eva pecaram. Esse foi o primeiro pecado. Como resultado do pecado deles,
a humanidade foi mergulhada em ruína moral. A natureza humana experimentou uma
queda moral. As coisas mudaram para nós depois que o primeiro pecado foi
cometido. A raça humana tornou-se corrompida. A corrupção subsequente é o que a
igreja chama de pecado original.
O pecado original não é um ato específico de
pecado. É uma condição de pecado. O pecado original refere-se
a uma natureza de pecado a partir da qual fluem atos pecaminosos. Novamente,
nós cometemos atos pecaminosos porque nossa natureza é para pecar. A natureza
original do homem não era para pecar mas, depois da queda, sua natureza
original mudou. Agora, por causa do pecado original, temos uma natureza decaída
e corrompida.
O homem decaído, como a Bíblia declara, é
nascido no pecado. Ele está "debaixo" do pecado. Pela natureza, somos
filhos da ira. Não nascemos num estado de inocência.
John Gerstner uma vez foi convidado a pregar
numa igreja presbiteriana local. Ele foi saudado à porta pelos presbíteros da
igreja, que lhe explicaram que a ordem de adoração para aquele dia incluía a
administração de batismo infantil. O Dr. Gerstner concordou em dirigir o culto.
Então um dos presbíteros explicou uma tradição especial da igreja. Ele pediu ao
Dr. Gerstner que oferecesse uma rosa branca aos pais de cada bebê antes do
batismo. O Dr. Gerstner perguntou sobre o significado da rosa branca. O
presbítero respondeu: "Nós oferecemos a rosa branca como símbolo da
inocência do bebê perante Deus."
"Entendo", disse o Dr. Gerstner.
"E o que simboliza a água?" Imagine a consternação do presbítero
quando tentou explicar o propósito simbólico de lavar o pecado de inocentes
bebês. A confusão de sua congregação não é exclusiva dela. Quando reconhecemos
que bebês não são culpados de cometer atos específicos de pecado, é fácil
saltar para a conclusão de que são, portanto, inocentes. Este é um largo salto
teológico sobre uma pilha de espadas. Embora o bebê seja inocente de atos
específicos de pecado, ele ainda é culpado pelo pecado original.
Para entender a visão reformada da
predestinação é absolutamente necessário entender a visão reformada do pecado
original. Os dois assuntos sustentam-se juntos, ou caem juntos.
A visão reformada segue o pensamento de
Agostinho. Agostinho elucida o estado de Adão antes da queda e o estado da
humanidade depois da queda. Antes da queda foram concedidas a Adão duas
possibilidades: Ele tinha a capacidade para pecar e a incapacidade para não
pecar. A ideia de "incapacidade para não" é um pouco confusa porque,
em nossa língua, é uma dupla negativa. A fórmula latina de Agostinho era non
posse non peccare. Colocado de outra maneira, significa que, depois da
queda, o homem era moralmente incapaz de viver sem pecar. A capacidade de viver
sem pecar foi perdida na queda. A incapacidade moral é a essência do que
chamamos de pecado original.
Quando nascemos de novo, nossa servidão ao
pecado é aliviada. Depois que somos vivificados em Cristo, novamente temos a
capacidade para pecar e a capacidade para não pecar. No céu, teremos a
incapacidade para pecar.
O homem antes da queda, depois da queda e
depois de renascer é capaz de pecar. Antes da queda ele é capaz de não pecar.
Essa capacidade, a capacidade de não pecar, é perdida na queda. É restaurada
quando a pessoa nasce de novo, e continua no céu. Na criação, o homem não sofreu
de incapacidade moral. A incapacidade moral é um resultado da queda. Colocando
de outra maneira, antes da queda o homem era capaz de refrear-se de pecar;
depois da queda, não é mais capaz de refrear-se de pecar. É isso que chamamos
de pecado original. Esta incapacidade moral ou servidão moral é vencida pelo
renascimento espiritual. O renascimento libera-nos do pecado original. Antes do
renascimento ainda temos um livre arbítrio, mas não temos esta liberação do
poder do pecado, que é o que Agostinho chamou de "liberdade".
A pessoa que é renascida
ainda pode pecar. A capacidade de pecar não é removida até que sejamos
glorificados no céu. Temos a capacidade de pecar, mas não estamos mais sob a
servidão do pecado original. Fomos libertados. Isto, é claro, não quer dizer
que agora vivemos vidas perfeitas. Ainda pecamos. Mas não podemos dizer que
pecamos por ser isso tudo que nossa natureza decaída tem poder para fazer.
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